segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Intrincado

Será o cansaço que nos derrota ou somos nós que usamos a desculpa do cansaço para fazer valer derrota por termos sido nós quem de facto desistiu e se auto-impôs essa mesma pressuposta derrota? Jamais se deve subestimar um desenlace, uma espécie de desfecho, integralmente desconectado da nossa vontade própria. 

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Abril, 74

Tomai a liberdade como um acto de coragem a manter todos os dias. Estai atentos a vós próprios, pois que essa liberdade foi-nos oferecida sem que porém tal exclua que a nutramos no sentido de impossibilitar que um dia, para espanto de cada um individual, que esta nos venha a ser sonegada. Em Portugal “Abril” é um dos signos da liberdade. Cuide-se da responsabilidade de cada em vivê-la; a liberdade, aliás, é complexa: muitos, inclusive, já abdicaram da mesma sem consciência e dificilmente a verão, para si, restaurada. Viver em liberdade é viver em compromisso para connosco; atentai para que esta nunca vos seja sonegada, reitero, o que exige de nós todos uma postura activa no quotidiano.
Feliz dia da liberdade para todos os “eus”, que somos cada um de nós, que reunidos em acção colectiva constituímos este maravilhoso Portugal que nos calhou como lar, inclusive no espírito da diáspora.

domingo, 9 de maio de 2021

do óbvio esquecido II

"Estava destinado a assim ser, deixemos que o seja". Talvez. É experimentar aplicar o "eu inteligente" na sentença e é provável que alguns fatalismos deixem de ter mesmo de o ser. Pode, claro, suceder que o eu inteligente entre em acção por nossa livre escolha e que o resultado para uma aparente predestinação resulte ao invés por várias vontades confluirem para esse desenrolar. Somos livres de ser, pensar, agir; sempre fomos. Acredite-se e aceite-se que o que parece encoberto como predefinição nada mais é que nas nossas acções escolhamos agir em conformidade ao "desejo" do nosso eu verdadeiro e inteligente e não a expectativas socialmente construídas que não poucas vezes concorrem para que escolhamos afastarmo-nos de nós. Contem, portando, em encontrar ampla e proficuamente essa sensação entre "destino" e auto-cumprimento quando decidir-se utilizar o eu inteligente, já que tão somente se trata de um espelhar daquilo que buscamos de facto e onde nos reconhecemos como seres integrais embora singulares, causando por esse dito um recorrente efeito de déjà-vu.

sábado, 8 de maio de 2021

do óbvio esquecido I

Biénio confuso o que ora vivemos, mais para quem resiste no instituído e se priva das necessárias inovação e mudança na estrutura dos tecidos sociais, cujo despertar devia estar claro para cada actor social individual. Quanto aos colectivos, esses pretendem perpetuar o caos a que denominam ordem, tristemente amiúde com o aval do átomo, i.e., da mais pequena partícula da sociedade que somos todos nós na nossa singular unicidade que mais nos une do que aparta; enfim, o que denominaria por síndrome da bela adormecida, prostradas essas almas à absoluta conformidade do que aquilo que, per si, já provou ter sido testado e retumbantemente falhado, tenha sido por acção caduca ou omissão que não mais considero perdoável ao grande ser adormecido e entorpecido que o são, por sua falta, as desinformadas massas ou tramas do tecido social que, com todo o seu aroma a mofo e torpe postura de anuência face ao real cuja cadavérica face se nos mostra a todos no quotidiano do ser terreno.
Porém, de cada um cada qual. Ao contemplar os últimos raios de sol de hoje pondero sobre a ilusão e a mentira que nos venderam e às quais aqueles temerosos por viverem, se a isso se pode chamar vida, no tenebroso manto do rápido fácil a que se prostam acríticos. Não sei o meu caminho, senão ao que no meu âmago e aos vislumbres benevolentemente ofertados, porém a mentira, e outros ardis que herdámos, renego-a. A mentira não mais será minha prisão, ao invés ensinamentos que me libertam dos grilhões que nunca existiram que não aqueles impostos por nós e pelos colaboradores não da incerteza mas do medo. Da mentira, pela companhia que comigo caminha, nada temo. Amo a incerteza do que irá ser, pois que será digno do amor de todos. Confiem nas carpideiras que já se escutam e caminhem com todo o gosto e prazer o caminho da vida em liberdade e, por tal, em Amor.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

PmA Parte II

A altura de despertar chegou. A de reclamar o que é meu e significativa parcela de quem sou. Por demasiado tempo, frutos de cabalas mentais, permiti ser desmembrado de um importante componente digital; não o único nem o último jamais - porém, importa.
Cansado das redes sociais e de todos os doutores de sofá que de tudo sabem tudo, embarco novamente na aventura deste blog na expectativa de continuar a manter um desarrumado espaço desarrumado.
Sou licenciado, sou mestre e sou doutor. Desengane-se, todavia, quem julgar vir aqui encontrar um ser ciente e arrogante que, óbvio, de tudo tudo sabe. Na realidade o percurso é precisamente o oposto: assertividade sempre que necessária, humildade e uma grande vontade de continuar a aprender; mais, os posts que colocarei evitarão temas fracturantes pelo já explanado - não que deles fuja, sim porque desejo evitar a média douta sabedoria popular que a tudo, pretende-o, responde. Por aqui já vejo o verbo alheio a acusar a primeira nota da minha (possível) arrogância. Ora, nada mais incorrecto, repudio a "ciência de sofá" dx, amiúde, chicx espertx, abraçando sem hesitação nem com acto de glorificação a minha ignorância remetente à esmagadora maioria do real que me é dado aos sentidos e do qual percepciono tão-somente parcas partículas.
Redigirei sobre o que me aprouver, como ficou entendido, sem busca de likes, loves ou outros dúbios critérios de aferição sobre a qualidade do material redigido; na verdade, desprovido dessa classe ou espécie de júri, só me sinto ainda mais livre e com mais acentuada vontade de redigir.
As minhas redacções serão o que forem, mas serão e sê-lo-ão longe do crivo do julgamento. Por ser um espaço, um blog em 2021, que não atrai multidões escreverei, a maior parte das vezes, muito metaforicamente sobre a minha vida pessoal; também da profissional; no entanto, por ora, o que mais me atrairá será a escrita de ficção (com um pitada de realidade para que possa, espero, acrescentar-lhe sabor e valor). Senti novamente a necessidade de me apresentar, pois são já bastantes os anos entre a presente e a pretérita publicação.
Como se costuma dizer, venha quem vier por bem (errava igualmente qualquer um que, mediante pré-noção, houvesse ficado convencido que não iria recorrer ao popular e à sabedoria popular, já que muito boa gente contribuiu para que estes portassem, igualmente, o seu valor e mérito; e eu, filho de Abril e da liberdade, fui igualmente parido do povo, do povo português que tanto tem ao seu alcance e que teima em deixar escapar vezes por demasia). Até breve.

sábado, 25 de julho de 2015

ausências evidentes, take vii


Corri os dedos pelo ecrã do tablet, desligando-o. Coloquei-o, com algum desdém, em cima da mesa de cabeceira. Duas e trinta da manhã, passavam uns minutos. Permanecia sozinho naquela cama que, sem ti, é uma enormidade. Aguardava-te, aguardava pela presença do teu corpo singular junto ao meu. Sentia-me estoirado, a bodega da viagem no dia anterior havia-me deixado inapelavelmente exaurido. Não que tivesse sido muito longa: uma hora e pouco de Florença a Munique, duas horas e quarenta, por aí, de Munique a Lisboa; a culpa é dos assentos, e talvez da pressurização do avião, os assentos em turística matam-me, fornicam-me as costas sem perdão nem apelo, contudo não sou rico para andar de conferência em conferência em classe executiva. Cobrira o rosto com as mãos em concha. A comunicação não tinha corrido de forma excepcional, porém também não me havia comprometido. No tablet confirmara não haver e-mails cuja urgência cativasse a minha atenção. Só o raio do artigo, ainda tão em atraso e tão espartanamente esquissado, perturbava o sono que entretanto assomara – isso e a ausência do teu corpo naquela cama infernalmente hiperbólica aquando sem ti. Inspirei profundamente duas vezes. Dois suspiros profundos que, sem dúvida, escaparam à tua audição. Olhei o maço de cigarros, porém depressa se esvaiu a ideia de ir até à janela da cozinha acender um prego. Mera preguiça, nada que concernisse com a consciência de um cuidado de mim, do zelo pela minha saúde. Pus a língua de fora, num sentimento de pseudo-desprezo para com o tabaco, e recoloquei as mãos em concha sobre o rosto, com os olhos vincadamente cerrados.

Que farias tu ainda na sala? Escutava os teus passos e alguns ruídos que, certamente, só tu poderias provocar. Mexericavas por entre algumas coisas, sem dúvida. O que farias? Que tamanha necessidade te movia para te impedir a que te juntasses a mim? Não fazia a menor ideia e os poucos neurónios que, no meu cérebro, teimavam em continuar despertos escusavam-se a esforços do pensamento. Parecias fazer de propósito, aguardando que eu adormecesse para também tu, enfim, viesses esgueirar-te sorrateira para o nosso leito. Estarias ainda de beicinho por eu me ter escapulido para terras da Toscânia durante uma semana completa quando três noites teriam bastado? Sabia quando marquei a viagem, e de antemão, que estarias impossibilitada de me acompanhar devido às obrigações que acompanhavam os teus afazeres profissionais. Sim, pernoitei sete vezes naquela cidade museu. Terei, por isso, acirrado a tua fúria? Uma vez mais os neurónios escusavam-se ao labor, pelo que me deixei desprovido de qualquer resposta. Estiquei-me na cama sem apagar a luz pardacenta do candeeiro da mesa de cabeceira; aquele do meu lado, no teu reinava profusamente a escuridão. Abri os braços em cruz e pus-me a contemplar inconscientemente o tecto, cabeça firme directamente no colchão – bem sabes o quanto odeio travesseiros; desde puto que assim sou, catraia; desde puto – desde um universo em que ainda nem sequer sonhávamos com a existência um do outro, tempos em que ainda não valorizávamos esta coisa tão divinal de se partilhar a vida com um companheiro que se ama e cuja vida se preza, inclusive, mais do que a nossa própria. Vem, minha menina. Vem. Implorava-te eu sem que tu disso soubesses ou sequer desconfiasses. Minha… És minha, sim. Porém, só és minha no mesmo sentido do tanto, e igual, que eu sou teu, pertença da mulher menina que tanto amo; e a ti me ofereço sem hesitação, não cogitando mas fazendo-o por instinto, aquele instinto que me dita poder colocar nas tuas mãos a minha vida – a confiança que em ti deposito é algo de quase infinito e de inquestionável. Por favor… Vem.

Mantinha-se o burburinho provindo da sala, o abafado ruído dos teus passos a acrescentar-se-lhe de quando em quando. Acreditava que nada terias de facto para fazer, todavia que inventavas fosse o que fosse tão-somente com o intuito de não te juntares a mim enquanto perdurasse em vigília. Recordei que poucas palavras trocáramos desde que regressara daquela cidade que quase nos remete para o quotidiano do Renascimento italiano, não fossem todos os atributos modernos e pós-modernos que a equipam – a luz eléctrica, os automóveis que circulavam nas estradas esguias, os smartphones de última geração que os turistas, cuja pressão na cidade é tremenda e até algo horrível, transportavam consigo, os neons, o eu sei lá que mais; estava exausto, já o mencionei. Poucas palavras. E beijos? E ternuras? E meiguices? Tudo isso tão parco. Que se passa connosco, miúda? Não, não é só o facto de poderes estar a embirrar com a minha ida, aos teus olhos, excessivamente prolongada. Algo não está bem entre nós, intuo-o com amargura ainda que igualmente com irrefutabilidade. Moça, já fomos melhores. Já fizemos mais para nos merecermos do que no presente agora vivido, tenho perfeita noção disso. Coisa que dói, magoa no âmago do meu ser. Estaremos… Suspiro, estaremos condenados a fracassar, periga o nosso dia-a-dia em comunhão? Merda de burburinho na sala que não se silencia.

Dei um pulo da cama. Dei um golo na água que uma garrafa de litro e meio, mesmo ao lado da minha cabeceira, permanecia erecta todos os dias sem excepção. Peguei o maço de cigarros, esfreguei os olhos e proferi em pensamento um milhão de asneiras. Percorri, célere, o caminho conducente à porta da sala. Eventualmente escutaste os meus passos e dirigiste o teu olhar para mim, que me apoiava na ombreira da porta, sem todavia entrar na divisão, e sorriste-me breve voltando logo a recolocar a tua atenção em papelada e livros que se amontoavam no chão. Vou dormir, estou um bocado de gatas ainda. Vai, julgava que já dormias, vai, descansa, dorme bem, descansa, olha, o meu beijo primeiro. Transpus a fronteira e fui ter contigo. Puxei-te e envolvi-te com os meus braços. Desenhei o melhor sorriso que consegui e juntei, delico-doce, os meus lábios aos teus. Contudo, não estavas presente, não estavas ali. Durante o nosso tímido beijo insististe em olhar para a confusão no chão como se não quisesses saber de mim. Vou à cozinha, fumar um cigarro, logo volto para a cama, já não me aguento. Vai, doce, e descansa, procuro umas coisas, preciso mesmo, já vou também para a cama, não tardo, sim? Sim, ternura, até já, e boa sorte com isso. Afaguei-te o cabelo num gesto nem rápido nem lento e dirigi-me para a cozinha e para a minha janela de fumo.

Deslizei a janela para a esquerda, abrindo um conexão para o mundo exterior, para aquele lá de fora. Isso após ter encerrado com a devida precisão a porta da cozinha. Um fumador que detesta o cheiro a fumo. De facto, às vezes não sei se não serei uma besta; atípica, mas ainda assim um anormal. O cigarro pendia da boca. Desta feita era eu que obrigava o cérebro a não pensar e não qualquer preguiça que se pudesse imputar ao desgaste físico dos neurónios. Não me apetecia pensar: estava, como se diz na gíria, fodido da vida. A tua displicência para com o nosso beijo parecia confirmar a minha profecia, de que não estávamos bem e de que parecíamos condenados, num futuro mais distante ou mais próximo, a um fim, a uma cisão irrevogável. Estava fodido. Isso ainda é dizer pouco, estaria a ser simpático na consideração. Isqueiro? Merda, nas calças. E calças, ora bem, no quarto. Abri, ainda mais danado, uma das gavetas de onde saquei uma caixa de fósforos com um aspecto duvidoso e até miserável. Que se lixasse, desde que cumprissem a sua função o resto não importaria. O primeiro alaranjou-se mal lhe raspei a cabeça na lateral da caixa e logo o encostei ao cigarro pendente dos meus lábios, aspirando mais porcaria do que alguma vez possa vir a imaginar. Contemplei as estrelas, soltando a primeira baforada do vil fumo que, por opção própria, enfio nos meus pulmões, infligindo ao meu ser maus-tratos pela minha mão. Poucas estrelas. Em Florença pareciam-me mais. É provável que aqui a iluminação artificial, ou a poluição ou o que diabo for, seja aqui mais forte e que assim vele mais os pontos luminosos do manto celeste. Tudo tem um fim. Desde que me lembro de ser gente que esta frase me acompanha. Tudo. Isso implica que nós também. Já? Somos ainda tão novos na nossa relação comungada… Tudo. Tilintava sem perdão essa única palavra: tudo. Mais fumo para os pulmões, mais fumo para o mundo lá fora. Fumava com tal pressa que até a máquina, o meu querido coração, se acelerava desmedidamente. Ou acelerar-se-ia principalmente por nos ver emocionalmente, afectivamente tão distantes apesar de nenhum de nós comprovar tal facto por palavras? Não tenho a certeza. Continuei a insistir com o cigarro. Porquê nós? E, mais ainda, porquê já? Amava-te? Bolas, sem dúvida, nem carecia de me questionar. Então porquê? Insistia com o cigarro. Mais que tudo, miúda. Amo-te mais que tudo. No manto celeste as estrelas cintilavam, incólumes à minha inquietação. Haja alguém, ou algo, tão sereno. Suspirei. Confesso que as lágrimas quase me vinham aos olhos, felizmente a minha cornadura encontrava-se a funcionar quase apenas à força de serviços mínimos, o que eventualmente colheu as minhas emoções evitando assim que me desfizesse logo ali. Mantive-me mais uns minutos prostrado à janela a observar o cintilar das estrelas. Como é sereno… Pouco depois acendia o segundo cigarro. Tossi, garganta irritada – da emoção ou do tabaco? Engolia a seco, a saliva escapara-se-me desde que fora à gaveta retirar os fósforos. E tu? Sim, tu. Amar-me-ás? Não ouso sequer pensar na negativa, seria injusto e perverso para contigo, é claro que sim. Enfim, nem sempre o amor é tudo. Devia ser. Mas não aguenta tudo, é o alicerce mais forte do mundo, mas o mundo, esse, é também todo ele imperfeito. Devia ser, devia bastar. Escutei as badaladas provenientes do sino da igreja próxima, três da manhã. Atirei o cigarro pela janela sem pensar sequer no que fazia. Abri a porta de um armário, segurei trémulo uma caixa de um medicamento sujeito a prescrição médica e subtraí a uma lamela uma cápsula. Cerrei a janela da cozinha, abri a porta e, encolhido, dirigi-me para o quarto. Com o auxílio de um pouco de água engoli o hipnótico. Em menos de meia-hora, bem me conheço, estaria na terra dos sonhos. Deitei-me e apaguei a luz do meu candeeiro de cabeceira. O burburinho na sala não condescendera e era para mim um inferno. Dorme bem, miúda, pensei. Depois, depois logo se vê.

Devia ser…

sexta-feira, 24 de julho de 2015

timings

Em breve retornarei aqui. Há palavras que te quero deixar. E não, meu claro blogue, não estás ainda esgotado. Em breve...

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

redutos

às vezes tomamos decisões erradas e escolhemos fazer o que é mais difícil; exactamente porque queremos ser ou parecer fortes.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

segunda-feira, 5 de maio de 2014

há dias e dias

Os dias não são todos iguais. Escusa-se de inventar patacoadas que o tentem contradizer, seja sorte ou azar.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

sem que valha a pena parar para pensar

e de um dia para o outro tudo volta a ficar bem, de regresso à dita normalidade; falo da esfera do 'escritório', esclareça-se.

se sei o que é ironia?

Não interessa o que fazemos bem. Curioso que quando fazemos mal todos e mais alguns nos caem em cima. Infalível. Que raça de raça.

domingo, 27 de abril de 2014

A trejeito de desalinhos

Os dias de treta no 'escritório' não permitem sequer que os fins de semana escapulem. Vêm aparecendo como uma constante, quando o expectável seria o inverso; pelo menos de outros tempos que conheci. Presentemente questiono-me, mais amiúde do que gostaria, se eu já não sou a mesma pessoa. Bom, de facto em variadíssimos aspectos não sou - muito mudei desde que iniciei o meu projecto profissional mais audaz, já lá vão uns anitos e não tarda muito para que lhe coloque um definitivo ponto final. Interrogo desajuizadamente as minhas competências, as minhas valências, a minha utilidade no seio daquele círculo. O facto de ter regressado faz pouco de um espaço onde diversos colegas exaltaram as minhas capacidades em nada ameniza as contradições que vagueiam indisciplinadas pela mente. Sinto-me mais fraco que antes, pese embora tenha já percorrido um trajecto digno de, pelo menos, alguma consideração. Sinto-me pior, menos capaz. Guardo-o para mim, ainda que desconfie que me traia com regularidade e permita que esta minha falta de confiança perpasse para o mundo da cabeça de outras gentes - se assim o é consciente ou inconscientemente, trata-se de caminho que por ora quero evitar.

Claro que esta dinâmica não se esgota na minha pessoa. Desvairado sim, tolo de todo é que não. Também os outros, em parcimónia ou acelerados, são alvo desta coisa a que chamamos mudança e que jamais incorre em pausas para cafezinho. Ninguém lhe escapa, nem os mais taciturnos nem os mais teimosos. Ninguém, ponto. Noto consideráveis diferenças, permanecendo a falar na esfera do 'escritório', naquele que mais admiro, na pessoa que em simultâneo é minha colega e minha superior hierárquica. Aquelas que respeitam ao nosso relacionamento, do mais institucional ao menos formal, surgem esporadicamente desagradáveis num continuum acre. Desconfia de mim, coloca-me em dúvida numa permanência que quase me esgota, desencanta-se e também por isso vai, nas entrelinhas, desautorizando competências que outrora me revia. Aliados e cúmplices em múltiplas tarefas que tanta vez extrapolaram a esfera do 'escritório'. Agora, no dia de hoje, fico incrédulo ao perceber que para além das minhas dúvidas também tenho que engajar em combate com os senãos dessa criatura cuja amizade venho almejando, pensara até estar bem mais próximo de a ter. A sua serenidade costumeira extravasou para uma inquietação perene. Tornou-se quotidiano estar pronto para aparar os golpes que possam sair do seu pulso. Continuo, inelutável, a confiar nele. Porém o efeito de erosão, ainda que assaz moroso, pode vir um dia a sentir-se. Tenho comido e calado, como se diz na gíria. Desvio as estocadas que endossa ao meu ser, optando por nunca contra-atacar. Assim vai sendo, até ao dia que avidamente aguardo, aquele em que embainhará novamente o seu florete não mais o dirigindo ameaçadoramente. Isto, claro está, fruto de novos ventos de mudança. Todavia esses novos ventos não são percepcionáveis no imediato e não saberei, até que o seu ar me chegue, para que rumo apontam; poderá ser no da concretizável ilusão amena que prefiro edificar mentalmente como poderá soprar a favor da desilusão e da então assim inevitável quebra do vínculo: não o poderei respeitar se também ele não se respeitar e se me atirar com desdém aos lobos dos quais me tem quase que paternalmente mantido a salvo - enfim, não posso respeitar, com a devida profundidade, quem não me respeita.

Venham, venham mais uma vez, ventos de mudança. A estagnação não presta. E como está não se pode ficar, imbuídos em atmosfera fétida e insustentável. Espero voltar a ver os seus olhos a transbordar de orgulho pelo seu pupilo, como já observei. Guardo particular memória de uma circunstância em que um colega seu, embora não meu superior hierárquico, o encantou por o seu pupilo o ter encantado. Espero. Mesmo que tenha que ser pelo dia em que parta sem adeus e que a essa casa não a torne a chamar 'minha casa'. Na esfera do 'escritório', óbvio; e noutras, que de tão apetecidas tardam como uma eternidade.

Escrevi um dia que por vezes mudamos sem nada mudar, permanecendo os mesmos. Tem o seu quê de verdade. De ousadia. Até de profecia. Porém, nunca olvidando que nos tornamos o que nos fazemos. Quanto a mim e ti, pá, e agora? A ver vamos... Não é demais recordar que ao ninho, que é a casa dos afectos que os seres-humanos sabem - ou deviam saber - construir, a 'casa' do métier é complemento sine qua non - e outra que limítrofe: a da amizade cuja pedra basilar é o mútuo respeito.

Talvez daqui a umas semanas redija qualquer coisa de mais simpática e de mais sinfónica ao ouvido. Por ora, das três 'casas' que mencionei... adiante-se tão-somente que todas elas carecem de obras - umas mais que as outras, pois é evidente. Pelo menos para mim, já que as palavras aqui apensas gotejam dos meus pulsos que vão mantendo uma firmeza que anos atrás desconhecia e julgava inatingível. Até breve.



quarta-feira, 23 de abril de 2014

azias pós além-tejo

Praticamente uma semana volvida desde o regresso de Évora. Não sei ainda, não consigo saber, nem me vejo capaz de formar opinião sobre o congresso em que também fui participante. Da minha prestação nada menciono, não gosto dessas coisas de autoavaliação; ou isso é o que agora sustento, sei lá. Sou talvez capaz de adiantar, embora com tímida convicção, que me constipou o estômago que, tadito, tarda em sossegar. Há pessoas de índole básica, ainda que de arguta inteligência, há pessoas que, enfim, já não me surpreendem com uma certa mesquinhez primária; e o tal estômago constipado revolve-se outra vez. Os congressos são feitos de pessoas. Não - lhe - consigo realmente formatar opiniões... talvez os dias futuros, numa acepção mais próxima, possam vestir-se com uma indumentária mais colorida; duvido, por aquilo que vou conseguindo antecipar. Tratou-se, isso sei-o, de um congresso marcante: resta percepcionar-lhe os sentidos - o, agora, mais difícil.

quinta-feira, 6 de março de 2014

void

Primeiras palavras só em Março. Isto está bonito. Pode ser que entretanto mude. Pode ser...
E assim, já cansado, se vai à labuta. Dizem que é preciso. Igualmente precisa, e muita, é a vontade. Amanheceres com nevoeiro...

domingo, 24 de novembro de 2013

ausências evidentes, take vi

Acordei bem cedo. Bom, pelo menos consideradas as minhas medidas e padrões. As contas que num ápice executei, que também nada tinham de difícil, diziam-me que dormira cerca de quatro horas, não mais. À chuva substituíra-se-lhe um sol tímido que só com púdica vergonha ousava espreitar, aqui e ali, por entre uma e outra nuvem. Levantara-me com a exacta roupa com que me deitara, umas calças de ganga que usara durante todo o dia anterior e pouquíssimo mais. O tronco desnudado ressentia-se da quebra de temperatura após ter retirado de cima de mim o edredão que me envolvera no sono. Talvez por isso tenha espirrado umas cinco vezes seguidas; ou terá antes sido pelas toneladas de pó, e dos seus aliados filamentos de cotão, que tomaram a princípio de cerco e no entretanto em conquista de facto os espaços do nosso quarto? Seja como for, também pela gelada chuva apanhada quando fumara na véspera o último cigarro. Sentia a garganta arranhada e dorida, os pulmões pesados, o pingo no nariz que teimosamente permanecia. Bom dia, atiro de suspenso para o ar num volume contido e com uma tonalidade sarcástica.

Liguei o computador, já com uma sweatshirt manhosa mas quentinha a cobrir os costados, para confirmar no site dos caminhos de ferro o que (me) tinhas transmitido. Gare do Oriente, 21h22, chegada do alfa pendular oriundo da Campanhã. Por que razão escolheras apear-te no Oriente? Saudosa de uma Expo que nunca chegaste a visitar? Como tantas vezes os teus motivos são insondáveis desisti das indagações remetendo a minha atenção para considerandos mais práticos. Como sempre, o apartamento devia mostrar-se impecavelmente apresentável quando por ele a dentro te trouxessem os teus seguros passos. Sem tirar nem pôr. Era um facto que se havia instalado na mente, por mais asquerosas e brejeiras que me parecessem as tarefas a executar. Baixei a tampa ao computador e palmilhei todos os recantos olhando atentamente em volta, sondando cada milímetro do nosso templo profano em busca de tudo o que parecesse deslocado; sabes, sou muito mais exigente quando só e te aguardo do que quando estamos juntos – talvez seja alguma forma ou estratégia de compensação, porém não estou certo. Certo tinha que muitas horas intervalavam o momento de reencontro e que, não tendo na agenda obrigação que me fizesse deslocar a outros lugares, vantagens da nossa profissão, as iria fazer valer.

Começara com o pé direito, já que não teria que me preocupar com loiça utilizada pois que a havia posto a lavar breves horas antes de me ter recolhido ao ninho que tão pouco se parece como tal na tua ausência. Arrastei o aspirador até ao quarto para fazer guerra a quantidades absurdas de cotão que pareciam brotar espontaneamente do soalho flutuante. Porém, quando estava quase a fazê-lo, abstive-me de ligar a máquina: parecia-me escandalosamente cedo para tamanho troar e embora não tenhamos calorosa relação com nenhum dos nossos vizinhos o respeito mútuo tem sido uma constante, coisa de gente que se conta e diz civilizada, seja lá o que se pretende transmitir com o que parece uma patranha preconcebida e mobilizadora de comportamentos padrão. Depressa me deparei com opções alternativas, como por exemplo recolher a roupa amontoada que havia semeado pela habitação durante este período da tua não presença física. Era mais sensato começar por aí, pelos pares de calças displicentemente abandonados no chão junto à cama, coisa habitual, e defronte do sofá da nossa sala, pelas camisas e camisolas enrodilhadas que preenchiam vazios nossos pelas cadeiras da mesa de jantar, nos bancos de cozinha, aos pés da cama e só Deus sabe mais onde; dos boxers que faziam fila tanto no quarto de banho como por debaixo daquele estrado e colchão aos quais, juntos, chamávamos cama. Apeteceu-me enfiar toda esta maralha anómica na máquina da roupa e lavá-la a frio, mas logo constatei a patetice dessa espécie de disparate. Por que razão danada nunca aprendi a funcionar com esse aparelho de tambor? Não sei. Facto é que não iria passar a sabê-lo agora. Num mundo onde tudo, quase tudo, incluindo pessoas, é tratado de modo descartável observei que seria igualmente lógico que também um dia todo o vestiário seria tratado da mesma forma. Sorri. Sabia-me estar a ser tolo exactamente por não saber por onde começar a labuta para o embelezamento artificial e aparente do apartamento. Tudo o que me bastava, registei, eras tu. Tu, como se a tua mera presença pudesse reconduzir a vida quotidiana ao seu regular funcionamento. Disparate. Contudo, disparate que me envolvia na melhor sensação de conforto e de continuado aconchego. Os homens são loucos. E as mulheres, as mulheres idem, se bem que de longe mais belas e airosas na sua entrópica loucura; especialmente tu, que manténs os meus neurónios num arraial de sinapses em catadupa ainda que tantas vezes sem um sentido que se possa evocar como racional ou disposto por atributos dessa coisa a que denominamos razão sem saber muito ao certo nem a profundidade nem as peculiaridades do seu significado. Com vocês estamos perdidos. Sem, somos como um quadro de traços desalinhados e inacabado porque, sem apelo, arrasados pela incompletude da nossa condição. Regressa-me ao rosto o sorriso. Não estava para travar conversas dessa dimensão comigo, para mais com a manhã ainda menina. Sabes, sou como os morcegos: funciono em pleno nas horas de escuridão, pela noite dentro. Sabes, eu sei. Que estarias tu agora a fazer na tua cidade? Desliguei a ficha, há tanto por fazer.

Abri o portátil. Mais uma vez. Talvez conseguisse comer algumas horas se eventualmente me embrenhasse em textos do meu trabalho. Olhei-os da mesma forma que um boi contempla um palácio, sem os entender e incapaz de os apreciar. Surgiam-me aos olhos tão-somente letras somadas e baralhadas, enfim, dispostas por uma qualquer lógica que agora me escapava de todo. Já tu és bem mais pragmática do que eu. Num ápice decifrarias sem qualquer dificuldade o código instituído pelas palavras e frases para as quais olhava alheado e sem interesse. Também tu és muito menos resistente a funcionar em sintonia com as ditas horas normais de trabalho, prefere-las. Eu, pelo inverso, não me entendo nessa lógica e sempre preferi delinear objectivos em detrimento de uma esquematização rígida e operacional de como os alcançar, um dos aspectos em que sou indubitavelmente mais flexível do que tu, tanto para melhor como para pior. Chega. Desisti. Para mais tarde retomar. E aí sim, provido do pleno das minhas capacidades intelectuais. Eras tu o centro do meu universo; melhor, era-lo todo. Seriam risíveis empreitadas que exigissem outra coisa que não apenas a mecânica imbuída no meu esquema mental. O meu pensamento estava exclusivamente direccionado para o teu abraço, para os beijos com que ansiosamente prendaríamos os nossos lábios, os nossos rostos, os nossos pescoços que exalariam os nossos cheiros de um para o outro, tudo o mais que ocorresse entretanto vergado à nossa irredutível vontade, actos que antecipava com a maior vontade e impaciência do mundo. Como te amo, miúda. A distância faz-me mal, é como uma gripe que assola o espírito, por muito tonta que te pareça a metáfora.

Ainda assim consegui perder, deveria dizer ganhar, uma hora nestes meus devaneios. Já não me parecia despropositado utilizar o aspirador, embora talvez fosse ainda demasiado cedo. Poderia muito bem começar por limpar o pó que constatava abusivamente acumulado no móvel que sustentava a televisão, uma foto dos dois e um solitário vazio; deveria preenchê-lo, antes da tua chegada, com uma das tuas flores predilectas, talvez uma rosa rosa. Perscrutei o pó com um olhar mais sério. Que gaita, nunca sei o que fazer primeiro: limpar o pó ou aspirar. Quantas vezes já mo disseste? Certamente tantas quantas as que esqueci. Não é por mal, ternura. Às vezes, ou não tão pouco como isso, sou um bocado avoado. Talvez porque continua a deleitar-me escutar-te, seja lá sobre o que for desde que… o desde que fica por ora em trânsito, por terminar: traz à memória coisas pesadas, material inverso ao daquele de que são feitos os sonhos. Há sempre um desde que, um porquê, um mas que assombra a vivência de todo o ser humano. Deixemo-los por agora, perdidos num qualquer recanto obscuro e quase inacessível no âmago da massa cinzenta; ou branca, sei lá, escassos são os meus saberes de neurologia e das neurociências em geral, que é o mesmo que afirmar, na prática, nada. 

A imagem da rosa rosa tomou-me de tão vivida, pela necessidade que antecipei impossível de incumprir, que de imediato me imaginei em incursão pela que melhor te fizesse jus. Cumpria a mundana tarefa de ir aprontando a casa para o teu regresso enquanto intimamente indagava quais os locais onde podia obter essa formosa rosa ou ainda se deveria adquirir duas ao invés de uma apenas. Onde obtê-la não era coisa que me criasse grandes obstáculos ou dúvidas, já o quantas falava-me de outra forma. Projectava na mente a imagem do solitário albergando uma tanto como duas, incapaz de me decidir de facto. Diz o bom senso que a nomenclatura nos oferece resposta imediata: solitário, portanto uma só flor. Todavia, a nossa condição, o vivermos as nossas vidas no seio de um regime de comunhão, abria como que obrigatoriamente portas a outra e não tão ortodoxa possibilidade, a saber às tais duas rosas que representariam juntas por força de metáfora as nossas duas pessoas bem como a natureza da nossa união. À guisa deste pensar o trabalho investido em colocar o apartamento num brinco tornou-se bem mais fácil e menos aborrecido, sendo que quando o terminei o espanto assomou-se já que não me esperava tão lesto e eficiente. De facto, isto do tempo psicológico tem muito que se lhe diga. Gostava inclusivamente de lhe dedicar uma atenção mais devida, a este assunto, porém desviava-se por demais das tarefas a que era chamado a executar na lide das actividades da esfera profissional. Paciência, talvez quando puder usufruir de algum tempo extra livre o venha a fazer, pensei mesmo sabendo que tal não viria realmente a suceder por motivos que não importa agora elencar. Enfim, dei-me por satisfeito por a casa estar finalmente própria para te acolher, coisa suficiente para me provocar um satisfeito sorriso que fez esquecer o cansaço físico devido ao aparato que fora conduzindo por mais de um par de horas, bastante mais.

O dia começava a esconder o seu rosto, aos poucos cedendo lugar ao soturno manto negro da noite que tanto estimo. Embora esmiuçasse os prós e contras de uma ou duas rosas rosa a preencher aquele esguio solitário, não me conseguia decidir com vincada certeza. Precisava, o que era mais que certo, era de sair de casa o quanto antes se pretendia adquirir os ditos complementos ornamentais. Seriam as flores o complemento ou ao invés sê-lo-ia o objecto que as albergaria? Mente vadia, o tempo escasseia e ainda assim te pões aos devaneios tontos como se tivesses em mãos todo o tempo do mundo. Urgia, isso sim, ir buscar as flores antes de ir buscar o éden que elas, agora sim, complementariam: tu, miúda. Peguei as chaves, de casa e do carro, e bati a porta já com um destino delineado célere pelos meus neurónios. Que se lixe, o elevador subia ao meu encontro, duas.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

segunda-feira, 23 de setembro de 2013