sexta-feira, 30 de junho de 2006

(re)Começo

Desde muito cedo, miúdo, aprendi que o caracol transporta a casa às costas; numa acepção abrangente tanto quanto totalizante do termo em si. Casa, não só o espaço que habitamos como também aquele em que experienciamos uma panóplia de vivências. Casa, no sentido residente que abarca tempos do passado ao presente que, por si, prevê as reentrâncias dum futuro, seja próximo ou direccionado a algo vincadamente mais remoto. Casa, moradia estável de presenças físicas e emoções, dos tumultos mas também das complacências confinadas ao trabalho do cérebro de cada um, de cada qual, em unicidade ou em partilha cúmplice. Esta casa não o é num entendimento extemporâneo, antes toda a bagagem que é transportada massivamente e que é constitutiva na premissa holística, logo irredutível às partes, da unicidade dos seres que ainda assim, na diferença, se assemelham pelas virtudes e vicissitudes da espécie que inapelavelmente comungam. A casa, definição estreitada, permite-se à transposição, à permuta; casa, lógica mais ampla, é igualmente pessoal e intransmissível, não sujeita ao mercado de troca mas objecto que, goste-se ou não, transportamos, tal caracol, às costas num encadeamento que se entrosa do princípio ao final de uma única exclusiva existência. Nesta derradeira definição já ninguém se pode permitir fugir dela, açambarcadora no monopólio do que somos e, assim implicado, seremos. Perspectiva demasiado positivista, determinada, mas perante esta não encontro outro facto senão o de me render à condição do que realmente é inalterável por natureza.
Se por um lado este recanto assume os termos de nova moradia, por outro implica o determinante de toda uma continuidade previamente gerada. Podemos certamente, como amiúde se constata, promover a troca de uma por outra; não podemos, na mesma medida, repudiar em rejeição aquela que nos acompanha pois que a somos e a construímos em silêncios ou no grito mais espampanante, sós ou em partilhas mais ou menos profundas, por vezes tão profundas que a (con)fundimos com a de outrem…
Sem que o objectivo seja a redundância troca-se de casa permanecendo nela, nela aquela da qual não nos podemos desembaraçar sem nos desembaraçarmos do que é próprio, sem nos desembaraçarmos do desprendimento do tudo tão pouco que somos.

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"I know so many people who think they can do it alone
They isolate their heads and stay in their safety zone
What can you tell them?
What can you say that will make them defensive?
Hang on to your ego
Hang on but I know that you're gonna lose the fight
They come on like they're peaceful but inside they're so
uptight
They trip through the day and waste all their thoughts at
night
Now how can I say it?
How can I come on when I know I'm guilty?
Yeah, hang on to your ego
Hang on but I know you're gonna lose the fight"

'Hang on to your ego', Frank Black

2 comentários:

  1. O caracol... ainda há animais mais lentos que o Hugo;)
    Nova casa, casa nova. Posso entrar?:)Que ela te receba tão bem quanto as tuas palavras o merecem!

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  2. Mais lentos... sim, até eu muitas vezes; mas o Hugo... aquelas orelhas não têm par, perfeitas para esse ser tão compassado quanto a sua enormidade cativante. E não podes, já cá estás - seguindo o texto, não mais sais. Das minhas palavras... o exagero que não (te) mereço. :)

    beijinho

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