domingo, 7 de janeiro de 2007

Tique décimo primeiro

Será que os segundos importam?
Os minutos correm; às horas não mais se atenta às parcas badaladas que as anunciam; os dias sobrepõem-se sem demora substituindo-se pela semana, semanas e, quando retomarmos à consciência, pelos meses.
A velocidade é alucinante, se estacarmos para admirar o envolvente. Se há uns segundos vivíamos a hora zero, reabrimos os olhos com onze meses de história. Poder-se-á falar de história? Ou esta não é mais do que um mecanismo iniciado – inventado? – bem antes dos nossos egos terem verificado a sua existência num pretenso porvir para sempre? A história continua, prossegue após se terem esgotado os nossos tempos naturais. É-nos exógena e intocável, pelo que, para precaver, devamos agarrarmo-nos aos exíguos momentos que dela podemos desfrutar numa tentativa de apropriação que os torne nossos.
Um ano, coisa redundante, conta doze meses. Estaca-se a fim de observar a velocidade das existências nestes mundos que construímos tanto quanto nos constroem: se onze meses foram então supra mencionados, então também o significado e o significante que outro ano se afirma prestes a iniciar. A velocidade é de facto alucinante; mas a memória não escorre para o vazio do esquecimento, antes encaixilha a velocidade sub-cruzeiro os momentos vividos na experiência passada, que augura futuro, do quotidiano que se realiza a cada novo instante.
Se a emoção não está desprendida da razão, então a razão cristaliza per si, no âmago do ser, as emoções que se viram descobertas, realizadas, incubadas num fenómeno de continuidade cúmplice.
Afinal, sempre posso terminar a escrita asseverando, convicção das convicções, que não esqueci.

oceanie: le ciel, 1946, henri matisse


"Sei de cor cada lugar teu
atado em mim, a cada lugar meu
tento entender o rumo que a vida nos faz tomar
tento esquecer a mágoa
guardar só o que é bom de guardar


Pensa em mim, protege o que eu te dou
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou
sem ter defesas que me façam falhar
nesse lugar mais dentro
onde só chega quem não tem medo de naufragar

Fica em mim que hoje o tempo dói
como se arrancassem tudo o que já foi
e até o que virá e até o que eu sonhei
diz-me que vais guardar e abraçar
tudo o que eu te dei

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
e o mundo nos leve para longe de nós
e que um dia o tempo pareça perdido
e tudo se desfaça num gesto só

Eu vou guardar cada lugar teu
ancorado em cada lugar meu
e hoje apenas isso me faz acreditar
que eu vou chegar contigo
onde só chega quem não tem medo de naufragar
"

'Cada Lugar Teu', Mafalda Veiga

3 comentários:

  1. A primeira capícua. Todos os segundos interessam, desde o primeiro até aos futuros, todos de uma importância inimaginável.
    Sei de cor... esse lugar onde nos encontramos em nós, sem medos de naufrágios no tempo veloz, apenas âncoras milenares...

    ResponderEliminar
  2. ..e se não houver tempo, a não esse tempo que nos faz sentir ainda mais quem somos?...E se apenas houver tempo enquanto somos tempo de alguém?...pergunto...E para que interessa o tempo quando se morre e nasce todos os dias?

    ResponderEliminar
  3. IGG, tudo importa... quando realmente importa. ;)

    O tempo, sendo muito peculiar, encarrega-se de o ser de maneiras diferentes para diferentes gentes; e tempos, passando a redundância, incs.

    ResponderEliminar