sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

[a gerência arroga-se do direito de não dirimir títulos]

Ele tinha olhos verdes. Ela, azuis. Ou de outras cores. Sei sim que, juntas, destoavam. Criavam elipses mais que imperfeitas no espaço-tempo. Ou na concepção que dele temos, se é que. Ofereciam-se únicos neste incompasso abstruso, ousando impôr-se aos ditames que são aqueles que o distino dirige ou erige. Pautauvam-se pela insubordinação às regras. Sim, redundantemente desregrados. Era assim que se faziam. Mais, assim era o modo como se impunham. Quebravam regras e normatividades aplicáveis à temporalidade. Eram felizes, ditavam de acordo com diapasão próprio. A sintonia, a sinfonia!, era-lhes própria. Única e inesquecível. Garantidos que o futuro lhes pertencia, previamente (re)construído.
Padeceram.
O destino ironiza. Qual destino? Esse, pois. O que negas constantemente nos teus ditos (pré)doutorais. O que acolhes ao conforto do colo quando ele se faz à partitura do teu contentamento. És tão esperto. Pensas-te tão esperto. És tão vulgar... Não saberás, não percebes que te entolas no (quotidiano) ordinário?
Os headphones berram aos teus ouvidos. Que sacramento, o descanso dos demais; dos especiais. As colunas silenciadas imploram-te por uma vida que lhes tomaste de um assomo. Fazes de Deus. Pensas em Nietzsche. Mas quão longe, sabe-lo, estás desse personagem. Brincas com os conceitos feitos. Deus está morto. Deus é o Homem. Deus é cada homem. Eu, indivíduo, sou o meu Deus. Por amor de Deus, onde estás tu Deus, interrogas por fim com as calças quase mijadas. Conheces muitos como tu: ateus, quando caem os raios; férvidos crentes, mal se distribuem as benesses do ser metafísico. Quão banal... Espamo do (quotidiano) ordinário.
Os caracóis que não tens, cortados a tesoura e outros demais instrumentos, encobrem o que, de facto, és: o mesmo puto ainda que vezes qualquer coisa em idade. Idade... A idade é um elemento identitário que parece pretenderes endrominar com o teu paleio fingido de sabido mas mais antigo que as bruxas de todos os antigamentes. Finges esvair-te em sangue de alma. Não soubeste crescer, indagariam, cruelmente, mentes que em nada ficariam a dever ao conceito da implacabilidade. Sou grande. Asseres, tal qual vaca que, com a cauda, escorraça parasitas impróprios. Como um soba, arrogas-te na tua fímbria de convicções e certezas, reinando tão sábio quanto autoritário; e estúpido. Assim, um dia ainda escrevo um livro. Que sábio. Que estúpido. Não sabes ser? Apenas - será exigir demais? - ser? Buscas alguma pretensa imortalidade. Não, sabes que não. Mas uma progénie que te continuasse já não o negarias. Onde deixarias tu a tua semente? Quem a pretenderia, para dela também fazer sua prole? Tremes perante estas questões. São mais saber do que aquele que tu te dizes portador, não é verdade? Encontrei. Encontraram-me. Encontrámo-nos. Não imaculados, que isso já não existe. E não me venham com a treta da conversa fácil de virgindades: é muito mais que isso, a mácula. Corro, como os antigos das religiões de pau (que afinal são a nossa...), à pedrada quem quiser apresentar como dignos esses argumentos. São uns falsos. Todos falsos. Nem sequer, ai se o soubessem, procuram por virgindade alheia, mas antes pela sua perdida por demérito num acaso que permitiram com clara e evidente facilidade. Termos mais olhos que barriga não é uma expressão vã, ao invés profícua de significados (e significantes).
Houve um lapso de tempo. Ou dessa maneira nos querem fazer crer os nossos pré-conceitos. Fui fumar um cigarro. Enquanto isso a minha parca linearidade perante o que discursava ia, pouco e pouco, desvanecendo-se. Não foi, contudo, absolutamente surripiada a este meu real. Até quase concluo (que raio de conclusão?). Permito-me interpor armas: a conclusão aguardará. Decisão peremptória, mais decisiva que a de um inquisidor que busca por queimar lenha.
Encaro o irónico e o ridículo do contexto. Daquilo que me rodeia. De onde, mais a mais, me encontro fisicamente: confortável, ao comando de um Vaio (publicidade inerente à vaidade identitária) que teclo a bel-prazer. Já não é novo, mas não ancião como eu que me digo e quero na flor da idade (será assim tão mentira?). Porra, exclamo no puro (haja algo!) silêncio da noite, se bem que mais silencioso que um tímido caracol encafuado na sua carapaça. Percebo, pois já o havia percebido, ver-me num T2 que por amor partilho. Amor, sim. E que partilho, nem tanto. Comigo o partilham isso sim, de boa vontade e de fé incomensurável e veementemente inabalável. Para ele pouco contribuo, exceptuando o excesso de espaço que lhe vou conquistando a troco de nada, pois que a troco de nada teria de ser!, impondo a minha presença como fatalidade indelével. Percebo-o, mais não fosse, pelo rol de livros que espalho e acumulo no espaço a que chamamos, no plural, sim, escritório. Benevolente, cuspiriam línguas ignorantes, quem me alberga. Pois bem, mentiriam. Se pouco há de boa vontade neste mundo entrópico que vivemos posso bem asserir que bastante me coube: coíbo-me da afirmação que constatasse o merecimento, ou não, da situação, perdoem-me as aspas, “negociada”. A música berra, constante e síncrona, aos meus ouvidos. Diz-me, ao menos que estou vivo. Ridículo. Posso teclar como uma anémona, mas sincronizo racionalmente as músicas que autorizo entrarem pelos meus ouvidos. Bem ou mal, faço-o. Faço-o, ignore-se o altruísmo da hipótese de escolha, porque assim bem o entendo. Dito, por assim dizer. Ditador, talvez, por assim o fazer. Porém, é como ocorre inalteravelmente.
Podia sintetizar todo este discurso numa bela e grandiosa palavra (merda?), mas não o farei. Permitam-me, ao tardar da hora, que apenas sugira sinceramente que é impossível sintetizar algo que não é sintetizável. Uma pista: trata-se, de outra forma não poderia ser, de um sentimento. Abstraindo-me, a belo propósito de (não) o identificar, deixo ao paciente leitor que a descodifique. E não, não é uma merda, como coloquei em parêntesis: esse foi um grunhido de alma, nada mais. Um grunhido de alma. Se tiver que o julgar, fá-lo-ei mais daqui a nada. Haverá imberbes que não tenham ainda desconfiado da essência desse sentimento? Paciência. A vida, perdoem-me o calão, não ´tá fácil. Se não o sabem já, escusam de colocar próteses dentárias que, per si, respondessem à questão, diga-se, quimérica. Não responderei por vós. Sabem, a questão da “livre escolha”, que no fundo significa que todos sabem de si e ninguém sabe de merda alguma. Deus... E eu que já ultrapassara esta trapalhada... Se bem que, vendo as... Bom... o que é terminar? É, na minha mente, deixar algo semi-acabado para que alguém prossiga. Num continuar cujo fim nem o horizonte pode afiançar. Sou só e não só. Eu e não apenas, e justamente isso, não só eu. Se me questionarem se me orgulho disso... orgulho-me de toda uma vida, uns momentos bem mais que outros como seria, digamos, expectável. Termino ao olhar do espelho. E esse espelho sou eu, não se permitam confusões demasiado extrapoladoras. Por isso mesmo hoje deixo-vos sem imagens, sem as mui inteligentes 'quotes' que são hábito. Te digo, te amo. Afirmar mais seria sôfrego, senão impossível. Terminar...
Sou um pária urbano, filho de duas mães: aquela cujo apelido me acompanha e aquela que me viu, de igual maneira crescer, até me tornar homem, Lisboa. A tipologia da morada pouco importa, mas sim a identidade a que me atribuo (sem o retorno do exterior). Sou eu e sou quem quero que sou. Que valha, até agora pelo menos. Os meus pais... aquele que geneticamente me predispôs e aquele que nunca conheci... Hoje não há imagens, hoje não há motes que disparem a vossa imaginação. Encerro assim cru. Feito eu, que de cru nada tenho. Sou um puto homem mimado. Só quero acordar, confortável, ao teu lado. Será exigir demais? Conhecendo a vida sei que sim, nem por isso anseio por menos. Saberei ao menos a quem soprar os meus beijos? Sei. Essa foi fácil. Poderiam pregar-me rasteiras maiores. Lembram-se da história do imaculado ou da mácula? Já não há, disse-o, sem isso. Minto ou digo verdade. Como ser sociólogo desconheço aprofundadamente a realidade. Ou parte dela... Ingenuidade vs Cienticifismo não são doxas que agora se apresentem... Sei que ninguém é imaculado. Por razão de ser a mágoa acomapanha-nos (deixámo-nos daquelas tretas da virgindade, certo?). Sabemos que não é a exclusa companhia com quem percorremos trajectos. Sabem, pensando um pouco até somos virgens de nós próprios para connosco. Algo que nos acompanha. E que só deixamos por vezes. Não se trata de algo tão estático como nos querem fazer compreender. Termino: Não serás tu a primeira?
Não respondo, mas permaneço naquela expectactiva de quem não quer ser defraudado. Se cumprires, serei também eu o teu primeiro. Não digam que não importa, quando todos estamos inseridos no garante de que a primeira vez... Sonhem. Eu sonho. E se a primeira vez tivesse sido aquele jantar em que ias, salto alto, acompanhada por um vestido vermelho que asseguras nunca ter abraçado essa cor? O que importa? Somos os primeiros nem que seja duma décima vez... os primeiros porque... porque sim!
Fim. Finito. Aqui encerro. Apenas espaço para algumas escassas palavras:
Nada dura até ao eterno... Porém o que se sabe do que as estrelas, e os seus pozinhos magicos ditam? Para sempre podem ser dois dias. Pode ser, de igual forma, o mundo.
Fim. O que basta é o que basta. E todos precisamos, sofregamente, de alguém.

2 comentários:

  1. "Eram felizes... Padeceram." E encontrarão o elixir mágico que os cure? Nas histórias, ao contrário do real, tudo é possível.
    Como dizes, para sempre podem ser dois dias. E esse alguém que sofregamente todos precisamos talvez esteja simplesmente dentro de nós. Nenhum outro merece tamanha expectação.

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  2. As histórias baseiam-se no que no real sucede. Dos dois dias ao mundo que podemos obter, só as estrelas e os seus pozinhos mágicos podem deixar achega. Mas desconfio...
    E sim, para sermos alguém temos de ser em primeiro lugar nós próprios alguém. Mas saber ter o outro em nós para que também assim sejamos alguém é uma necessidade que, em muitas felizes vezes, é muito mais do que isso: é amor, é a partilha do amor.

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