domingo, 27 de setembro de 2009

Gato velho?

Não. Sim. Não. Onde ficamos então? Não. Não é novo. E não é dado a idades que pesem, demasiadamente, na linguagem. Dois não. Definitivamente, ganhou, e por aí nos estabeleceremos, o não. Não a um gato envelhecido por demais, assim que tardiamente.
Descende das rosas de Abril. Não o suficiente para presentear uma HK G3 com um botão, desses marca da revolução. O bastante, todavia, para as histórias de guerra contadas em família, umas mais (auto-)censuradas que outras mais joviais; ou só tristes, sem que assumam adjectivação (excessivamente?) drástica. Um por aí, algo incerto ou a dar para o indefinido. Nunca vivi num regime de ferro, nem por outro lado alguma vez me foi oferecido o destino numa plataforma 3,5G dum telemóvel duma qualquer marca. Não experenciei o viver antes da madrugada, mas não sou um filho pródigo, neste caso primogénito e lutador, da mesma (...por pouco, muito pouco, ditar-vos-ão algumas doutrinas). Por aí, numa indecisão do destino quiça, até, dos meus próprios progenitores a quem o acidente surgiu vindo de França esvoaçando nas asas de uma (risonha?) cegonha. Não me queixo. Nada de barreiras asfixiantes, nada de uma liberdade libertina. Penso mesmo que, sic, ainda bem.
A inexistência de pêlo branco em tipo caucasiano-latino comprova e justifica o não. Não velho. não o que baste a fim que a força das palavras, tanto como a dos anos, me verguem a quem, mesmo que alheio da minha realidade, as escute ou, porque não, que simplesmente por elas tropece. A única característica atípica, que falo ainda do pêlo, passa por uns e outros ruivos escamoteados numa parca barba mal semeada. Bom, não que o pêlo branco obrigue a que. Mas, no mínimo dos mínimos, indiciam. Escusam de fazer um apontamento estemporâneo a afirmar que não porque os cientistas isto e aquilo. Indiciam e pronto, ficamos assim assentes. Mas por cá ainda não se fazem ver, nem um.
Já, posicionando-nos noutra óptica, a bagagem acumulada acusa, não só o desgaste habitual do que se traz connosco, uma contagem cronológica significativa. As suas narrativas são outras, distintas da barba que ainda não vê pêlo branco mas que nem por isso é mais pueril e muito menos mais constrangida por esse tal relógio cronológico (redundância? mas claro que sim! A ideia é mesmo a de a trazer à coacção, ora essa...).
A vida está cheia de tropelias. Todos nós bem o sabemos. Não me diga que não, já que seria mentira na qual não dava, confesso, nem um tostão. Boas. Más. Assim-assim. Assim-assim parcticularmente quando, mais do que pela força das circustâncias, experimentamos o sentimento de ser apenas e tão somente assim-assim. Contudo, e no decorrer de um quotidiano algo apático, apagado e extinto de frenesim, tropecei, agora força das palavras, em quem sei ter tropeçado. Ainda que, primeiramente, embotido num sentimento de angústia derrotista, a verdade veio a verificar-se quase que, como direi?, contra-quotidiana. Contra-quotidiana(o)... posso permitir-me não ser quem sou e deixar por explicar? Certo, não há alternativas. Compreendam o contra-quotidiano como o vosso espírito vos ditar. Veio, a realidade a ser absolutamente desigual ao que me habituara. Aqui, num desses tropeços, o grande tropeço, encontro-me com o meu equilíbrio. Porque não? E assim, de verdade, o foi. E é. Para quem já me conheça sabe que sou de poucas afinifades com lugares comuns, dogmas, (destinos-)pré-destinados. Nada de novo, então, no que toca à minha estruturante emocional e psiquíca (e social, se bem me faço entender). O meu equilíbrio, ao fim de uma cerca de anos, cada qual dotado da sua ínfima especificidade, permitiu-se no que poderei asserir como estagnação benévola. Como estagnação benévola, pergunta-se com a finalidade de exaurir equívocos. Tão simples. Porém, tão complexo. Mas sempre, sempre simples. Não esgotarei o limite das palavras e dos seus significados para explicar esta pretensa parábola de entidades presumivelmente antónimas. Ficará para outro dia, outra qualquer oportunidade. Não hoje. Hoje... Adiante. Hoje faço apenas de moço de recados de um passado quase presente - e porque não mesmo presente? - que se prostou, por muito que assim não creia o foi, a meus pés, dádiva, dom à senhor Marcel Mauss (pois, sei que há de retribuir). Retribuo bem ou mal, esse apontamento não cabe a mim destrinçar, é história para outro post, para outro, sei lá!, blog. Sei que sim. E assim envelheci, jovem se quiserem. Quão jovem, esmifrem-se por. Sofri. Como os cães. Verdade. E redescobri o que enviesa o sofrimento em prazer, num tal prazer que acordamos a dar graças (ateu, não é?) a este e aquele, desde que grandes senhores. Idem, é o termo convocado. Certo. Mais que certo. Provavelmente, entenda-se de certeza, não sofri como alguns dos nossos. Porém, é certo que relativizamos. Sofrimento também. Aliás, desmintam-me, não há nenhum que ultrapasse o nosso? Mentira, há sempre. Porém, teremos de ter em conta que só nós somos capazes de contabilizar o sofrimento por afereição, adivinhem, a nós próprios. Escrevo, pese embora me desvie da mensagem... e dela não me quero desafeiçoar. Dos três (recordam-se: bom; mau; assim-assim), comi de tudo. E não cuspo. Nada, cuspir-me a custas de extinguir pedaços de mim? Não. Não, mais que resoluto. Tive a sorte de. Foi assim. Tropecei. Mais que certo não só eu. E agora é o que se vê. Gostas? Se não, pira-te e aprontadamente. Eu, posso dizer que tu também, saboreamos as coisas (boas, sem dúvida) com que a vida nos compraz. E as amargas, atreladas como moscas voltadas para farnel apetecível. Porque sorte? Solenemente respondo com a maior das simolicidades: até o teu mal me atrai, a fim de que o consiga minorar... Não dou lições de vida... se nem a mim sei dar, puto pouco novo. Puto e velho. A quem perguntais? O que quereis saber? Sou como o Sócrates, mas com uma profunda diferença: sei-me, apesar de mais de mil e mil anos mais velhos, ignorante. Jogo de retórica? Algum. Sei que sei mais. Mas também sei que, afinal, será que sei mais? Tanta coisa para dizer algo que hoje me vai na alma, e que tu ajudas a alimentar, mas cuja resposta, para não ficar entalada na garganta, remento para o próximo parágrafo. Só um ademais: não quero nem tenho pretensões a ter razão: se bem sabem, já morreu gente por isso; não mais hoje; auguro que não amanhã. Sou envergonhado, ou tímido - coisas absolutamente diferentes - mas pronto... Hoje o dia é... Vem aí o parágrafo que se segue (desculpem-me se vos envorgonhei ou se vos conduzi, de uma forma ou outra, ao engano). Aí está ele, meu amig(a)os.
Tanta merda porque não sou capaz, de uma forma sintética e breve, de dar os parabéns a mim próprio... Ai, menino! Tantas vezes auto-centrado outras tão... enfim. Mais outro para a conta. Nada de significativo. Porém com muitos significantes. Obstruindo caminho à ambiguidade, sabes bem do que falo. Até para o ano, próximo. E assim consecutivamente, espero, por bom tempo. Desbravo o mato dos portantos e porquês por um pouco, um pouco que seja: fazes-me feliz.
O tema pode ser um pouco infeliz ou, dirão uns tantos, bimbo como o raio. Importa-me pouco. Por norma também não sou fã, mas deixo-vos com os Anjos (e não, não sou um gato velho demais para [re]começar, meus amigos):


"Eu sou aquele que vive aceso no teu mundo
Eu sou aquele que te persegue num sono profundo
Serei um sonho, um pesadelo
Sou o passado recordado de um amor, um grande amor

Eu sou aquele que não esquece nem perdoa
Eu sou aquele que a tua ausência magoa
Sou uma noite nunca apagada
Eu já fui tudo e agora não sou nada

Eu estou aqui, aqui p'ra te dizer
Eu estou aqui, aqui p'ra te adorar
Eu estou aqui, aqui p'ra te dizer
Que como eu ninguém te amou

Eu sou aquele que te entrega a sua vida
Eu sou aquele herói de uma paixão perdida
Sou uma noite nunca apagada
Sou o final de uma história inacabada

Eu estou aqui, aqui p'ra te dizer
Eu estou aqui, aqui p'ra te adorar
Eu estou aqui, aqui p'ra te dizer
Amor (amor), amor (amor), amor, amor, amor
"

'Eu Estou Aqui', Anjos

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Afinal...

... já não vou. Fico cá, ovelha tresmalhada que nem o cão se importa de deixar para trás. É assim. Sentidos proíbidos, talvez. Um dia será o trânsito todo a ser condicionado. Ou não.



Circunstancialismos

Amanhã, melhor, hoje, vou até à Marinha Grande. Buscam-se soluções estruturantes. Então lá vou, de peito inchado. Começa, contudo, a faltar-me fulgor para inspirar com suficiente profundidade a fim de manter essa postura. Nada que não se resolva. Afinal vou de peito inchado. Não pretendo regressar encurvado. Não é por isso que lá vou (?). Um pouco de paciência meu caro, um pouco de paciência. Portanto, segue e desanovia.


"Just another one champion sound
Me and Estelle about to get down
Who the hottest in the world right now.
Just touched down in London town.
Bet they give me a pound.
Tell them put the money in my hand right now.
Tell the promoter we need more seats,
We just sold out all the floor seats

Chorus (Estelle)
Take me on a trip, I’d like to go some day.
Take me to New York, I’d love to see LA.
I really want to come kick it with you.
You’ll be my American Boy.

He said Hey Sister.
It’s really really nice to meet ya.
I just met this 5 foot 7 guys who’s just my type.
I like the way he’s speaking his confidence is peaking.
Don’t like his baggy jeans but I’m like what’s underneath it.
And no I ain’t been to MIA
I heard that Cali never rains and New York heart awaits. First let’s see the west end.
I’ll show you to my bridrens.
I’m like this American Boy. American Boy

Chorus
Take me on a trip, I’d like to go some day
Take me to New York, I’d love to see LA.
I really want to come kick it with you.
You’ll be my American Boy

Can we get away this weekend.
Take me to Broadway.
Let’s go shopping baby then we’ll go to a Café.
Let’s go on the subway.
Take me to your hood.
I never been to Brooklyn and I’d like to see what’s good.
Dress in all your fancy clothes.
Sneaker’s looking Fresh to Def I’m lovin’ those Shell Toes.
Walkin’ that walk.
Talk that slick talk.
I’m likin’ this American Boy. American Boy.

Chorus
Take me on a trip, I’d like to go some day.
Take me to New York, I’d love to see LA.
I really want to come kick it with you.
You’ll be my American Boy

Let them know ……

Kanye West
Who killin em in the UK. Everybody gonna to say you K, reluctantly,
because most of this press don’t f@#k wit me.
Estelle once said to me, cool down down don’t act a fool now now.
I always act a fool ow ow.
Aint nothing new now now.
He crazy, I know what ya thinkin.
White Pino I know what you’re drinkin. Rap singer. Chain Blinger.
Holla at the next chick soon as you’re blinkin.
What’s you’re persona. About this American Brama. Am I shallow cuz all my clothes designer. Dressed smart like a London Bloke. Before he speak his suit bespoke.
And you thought he was cute before.
Look at this P Coat, Tell me he’s broke. And I know you’re not into all that.
I heard your lyrics I feel your spirit. But I still talk that cash. Coz a lot wags want to hear it. And I’m feelin like Mike at his Baddest. The Pips at they Gladys. And I know they love it. so to hell with all that rubbish

Estelle
Would you be my love, my love.
could be mine would you be my love my love, could be mine
Could you be my love, my love.
Would you be my American Boy. American Boy

Chorus
Take me on a trip, I’d like to go some day
Take me to Chicago, San Francisco Bay.
I really want to come kick it with you.
You’ll be my American Boy

Chorus"

'American Boy', Estelle feat. Kanye West

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

... e quarenta e três (43)

Sou indiferente a protocolos. Evidente, há excepções. Umas toleradas, outras dignas de registo realmente manifesto. Este vive em consonância com a segunda excepção enuncida.
Do alto de um último andar observo lua quase cheia enquanto torro pulmões a fumo de cigarro. Recordo a sombra do que já fui, recordo a sombra do que já fomos. Há muito que a sombra do que já fui se esvaiu, a sombra do que nós fomos permanece autêntica expondo a premência de ser (re)colocada na moldura do real com todas as cores. Claro, são sombras distintas. A minha, remetida para um passado mais longínquo; a nossa, com história já definida e ainda aquela por definir, de um passado mais recente. A nossa continuará a coabitar, e essa sim, com e a par do quadro policromático do real vivido. Os instantâneos guardam momentos, muitas vezes escondidos de devido enquadramento. Há instântaneos, procedidos e prossecutados de tal enquadramento, menos bons e outros admiráveis porque belos. Não há, nem de uma forma nem de outra, instantâneos extirpados da realidade vivida quotidiana. Também o quotidiano, constatámos e constatemos, descobre o mau, o assim-assim, o bom. Ou o que há de.
Não obstante estar desprovido de película, de imagem, de registo sonoro ou olfactivo, este dia é um instantâneo. Instantâneo de dias passados, instantâneo que indicia dias por vir como mesmo já o de amanhã que, suponho, será destituído de registo que faça de si história única com identidade própria. Porém, atenção às falácias. Essa unicidade, essa identidade exclusiva, é apenas um engodo ou uma distorção, pois que só se garante a veracidade do momento captado e retirado do real através do continuum que são as histórias, mesmo que histórias (relativamente) pequenas como as histórias de vida. O instantâneo vem comprovar tudo o que está oculto e que já foi; indo mais além, porque não, instigando ao que está por vir.
Somos comummente atreitos a posturas esquivas ao uso de palavras particularmente às que evocam sentimentos. De raiva e angústia. Quantas vezes são recalcadas, cada vez mais pertença dos ouvidos (pretensamente) atentos de técnicos de saúde mental? De amor e afecto, com o mórbido receio de nos expormos em excesso face ao outro? Renuncio sempre que posso a esta fácil tentação, a de obstruir sons ávidos de serem ditos e escutados. Vivemos em ambiguidade. Queixamo-nos amiúde de vivermos uma sociedade hiper-individualista, contudo não queremos renunciá-la a coesão asfixiante. Dois abismos sem que saibamos em concreto (nem em abstracto) onde o ponto de equilíbrio. Prefiro arriscar na minha aposta, que não sei bem onde cabe no seio destes dois opostos, e acreditar que o jogo pode ser ganho a expensas de avanços e retrocessos. Se quero ser sombra, mais ainda se veicula o meu querer no sentido da textura, da cor, dos sentidos todos sem excepção que quebrada embarace a norma.
Hoje é o nosso dia. Correcto. Como o de ontem foi. Não menos correcto. Como o de amanhã irá ser. Quem o contradirá? Hoje felizes. Ontem mais e também menos. Amanhã igualmente. A felicidade só é um percurso viável conhecido o seu antónimo, a infelicidade. O único absoluto que temos provém da religião. Não é comum a todos, e nos seus seguidores distinguindo-se ainda na forma e na filosofia das especificidades das crenças religiosas. Quanto a mim, o absoluto, esse absoluto, é inacessível ao espírito (compreensão) humano. Agnóstico, tanto quanto dizem. Não pretendo rotular. Todavia, perco-me. Retomemos a primeira frase do parágrafo. E assim, posto isto, posso assegurar-te dos meus sentimentos, já que deles estou assegurado faz muito. Os próximos dias poderão coibir-se de trazer novo instantâneo. Mas lá estarão, impedindo que o estaticismo de uma ocorrência eclipse o dia-a-dia. Não há buracos negros que subtraiam todo um vivido remanescendo tão somente sobras em armação postas. Não obstante, o que neste instantâneo comunico não deixa de ser verdade, uma verdade integrada no panorama global.
Para ti. Por nós. Que fique o quadro. Que prossigamos.

©


"A essência do erotismo, mesmo no seu sentido específico, é esclarecida pela existência de sentimentos que têm o nome de amor, sem que isso se deva ao acaso de um mal-entendido ou de um uso abusivo, e estendendo-se a inúmeros domínios situados para além de toda a sexualidade."

'Fragmento Sobre o Amor e Outros Textos', Georg Simmel

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

"Sweet dreams are made of this"

Ontem. Descansava merecido descanso após mal fadado projecto, arrastado há mais de uma semana, consumindo recursos de corpo e mente. Não rendido, ofereci-lhe apenas a minha exaustão cumulada de algum alívio pessoal, ainda que apático e indiferente. Ontem. Entreguei-me a um sono leve, ia a tarde por metade, que suspendeu o presente. Vivi regressão em sonho a dias de infância felizes vividos em Coimbra, em casa de tia-avó. Sala de estar e jantar logo que se entrava pela porta, Rainha Santa, como não podia deixar de ser, acomodada em estante à medida da porcelana; em frente a cozinha e à esquerda corredor conducente à escadaria das escadas dos quartos no primeiro andar e ao que chamavam loja, um espaço amplo de cinzento-cimento com um odor a bafio imperturbado e que acomodava a única casa de banho da casa, carregada de teias e suas aranhas que enchiam de medo o imaginário fecundo de uma criança; em cima, no andar dos quartos, ainda uma sala com televisão adquirida com exclusivo propósito de entreter os sobrinhos-netos sempre que a visitassem, invariavelmente nos meses de verão. Quase não conheço Coimbra com chuva, mas sim a do sol e calor que abraçavam corpo adocicando a alma. Nos quartos os colchões com a palha a furar por entre pano. As noites passadas na cozinha, onde sorvia o melhor café do mundo, apertando as quentes, sem que em demasia, malgas-chávenas entre mãos, inalando aquele odor que não esqueci e que se fez parte de mim. Mais tarde, ditou o sonho, a casa sozinha. E também eu, só. Só e com um somado de aniversários na pele. O presente foi suspenso, porém não anulado. Sozinho, com todas as características que me acompanham contemporaneamente, entrei casa a dentro. O dia era o de agora. Presente suspenso, contudo presente presente. Vagueei pelas divisões de outrora, iguais só que desprovidas da animação humana de antanho. Parei defronte das portas de entrada, também elas inalteradas. Abriam-se em par, o canhão da fechadura gigantesco para os parâmetros modernos, a chave de ferro fazendo-lhe justiça; transversal à altura destas, uma trave de madeira encaixava fazendo entrever tempos mais idos carentes de fechadura de chave e dos ferrolhos de ferro só depois, desconheço se muito ou pouco, aplicados metodicamente. Por fim deixei de estar só. As memórias acompanhavam-me, e por boa companhia se entenda. Até que às memórias o acrescento da respiração de outro alguém; não um alguém qualquer, um alguém para quem tudo aquilo era um universo desconhecido e estranho, mas particularmente um alguém que me apertava a mão, num entrelaçar de dedos, e assim se expunha como ente querido e muito desejado. Ao entrelaçá-los sorri e soube, desde logo, que também nesse alguém se desenhara um sorriso, um belo sorriso, o mais belo dos sorrisos. Em conjunto, então, calcorreámos todos os metros daquela casa. Creio que, como se perseverantes, lhe sentia os cheiros de antes, partilhados agora com cheiros presentes e, quem sabe, cheiros futuros igualmente ou mais agradáveis ainda.

Hoje o tédio apossou-se do dia. Decidi responder-lhe com umas leituras mas aqui, fora as técnicas que comigo trouxera e que só de olhar me causavam a mais profunda repulsa e até asco, as opções eram algo diminutas. Para meu arrependimento posterior, pus olhos em “O Meu Nome É Legião”. Logo após as primeiras páginas, e uma após outra, o fastio crescia tamanha era a seca a que me estava a sujeitar. Nunca fui de amizades com as obras do autor, enquanto escritor que da pessoa nada conheço, e esta parecia particularmente propensa para que mantivesse a minha inolvidável ou pela menos resoluta (má) opinião. Confesso que li tão somente meia centena de páginas, confesso igualmente que não sei se tenho estômago para papar mais outras tantas e menos ainda para caminhar até ao final. Estando já enfadado, poderia tal facto ocorrer como se de suicídio por tédio em dose cavalar se tratasse. Vale que hoje, o dia de hoje, está preso por fios de minutos. Em breve será hoje o dia de amanhã – e por aí fora até que ninguém mais se importe em contar os dias em termos histórico-contínuos, ou que simplesmente deixe de haver quem o pudesse. Tamanhas são as interferências desse quase não-sentimento, o tal de tédio, que o meu cérebro congelou embrutecido sem lhe ocorrer ter ainda meia estante de livros em sentido oposto àquela a que me dedicara a espreitar. Pouco importa. Encerrei o livro para me dedicar a deliciar-me com o sonho que, estando eu em estado de semi-vigília ou semi-onírico, como vos aprouver, que viera visitar-me ontem. Esgacei os lábios, que assim descobriam a cremalheira por maioria de razão a mais das vezes atrás deles dissimulada. Já tenho um passado, não só aquele que recordei; vou tendo um presente, que se escapa como areia das mãos, vivido melhor ou pior quotidianamente; vou ter, por isso espero e ambiciono, um futuro… um futuro a que um dia, suprimindo potenciais surpresas desagradáveis, chamarei passado. Observando com cuidado, nunca caminhei solitário e menos ainda em solidão. Mais, caminho acompanhado como nunca antes. Caminharei, seguramente, embora só os dias do por vir o possam ditar com exactidão, acompanhado numa quase perfeição desenhada a traços que se reproduzem da comunhão com o outrem mais que querido e mais que desejado.


Mosteiro de Santa Clara-a-Velha


Findo com uma frase que poderá ser peculiar, se mal entendida. Aliás, como tantas outras… Mas não a (me?) explicarei.

Possuidor desse conhecimento, o homem é o animal que não tem crias acidentalmente e sabe o que anda a fazer.

História das Más Ideias’, Eduardo Gil Bera