quarta-feira, 7 de abril de 2010

Meio Século de aninhos

Caminhar sozinho as estradas da vida é tarefa ingrata e pouco apetecível para a maior parte dos homens e das mulheres. Por isso se terá constituído primeiramente a sociedade, com o intuito que alcançar objectivos que por si só um ser isolado se veria manifestamente incapacitado de concretizar. Porém, a sociedade tornou-se ela própria aos poucos excessivamente lata para o desígnio da vontade individual. Nas nossas sociedades, nas sociedades ocidentais, o par, entendido como o casal, tornou-se o primeiro elemento de charneira entre a solidão extrema e a agregação orgânica que dissolve a identidade pessoal; é importante que não nos percamos, tanto quanto o é nos sentirmos dotados das nossas faculdades intrínsecas e por elas reconhecidos no meio da multidão.
Hoje vivemos dias semelhantes, onde o indivíduo se quer reconhecido sem que deixe de participar de um conjunto como que transcendental que ocorre no terreno e no plano do profano. Um dos laços que nos identifica, particularizando-nos, e que nos une, num sentimento de pertença adstritos normas e valores grupais, é inevitavelmente a família de onde provimos. Depois o grupo de pares. Mais tarde, após o grito de Ipiranga, recolocamos o sentido ao sentido. Por fim queremos ser não só um eu como também um nós. E assim se reproduz indivíduo e sociedade, com uma mediação cuja importância nunca deixará de ser central: o nós; o nós de duas identidades que unas respondem a uma só voz, sem deixar de respeitar as (distintas e aproximadas) vozes que enformam essa mesma uma só voz.
É este nós, não mera soma de duas vozes mas comunhão participada das mesmas, que hoje exalto. Os trajectos e os caminhos não serão abertos nem desbravados por um indivíduo ou por uma sociedade sem rosto próprio; somos nós que com duas vozes nos fazemos ouvir a uma só voz. Assim percorremos o incerto, talvez ao sabor tanto do acaso como de algum determinismo, ombro a ombro, gémeos puros sem cisão alguma que rompesse a união inicial. E se assim caminham ombro a ombro sem distância que os separe, é porque assim entenderam e o elo que os mantém vai muito para além da mera carne.
Também hoje não me esqueci, obviamente.


Apenas amamos aquilo que não possuímos por completo.”, ‘Em Busca do Tempo Perdido, vol. 5’, Marcel Proust

2 comentários:

  1. Gosto muito do Proust. E mais ainda do Ralph... rauf rauf

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  2. Gosto do Proust e da sua prosa. Gosto, como escreveste, dos rauf mimados do rauf. Rauf. Lembra-me uma palavra: mimi!!!!! ;)

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