Navego numa embarcação, mas não ao sabor do sentido quase único dos ventos. Não sei para onde rumo, mas deixo-me ser encaminhado porque confio. Percebo apenas estar no ventre de uma nau de três mastros, ou se assim nos apetecer, de três velas. Fora construída com a mais nobre das madeiras e com elas se foi aconchegando ao longo do seu devir. Esbelta. Esbelta, não, palavra que transmite com deficiência o grau de beleza que atinge. Fulminante aos sentidos, talvez assim o devesse ter asserido logo desde o início. Não era difícil amá-la, e eu disso sou testemunha ‘pro bono’ que ninguém incapacitará senão a própria vontade da muitíssima esbelta nau das três velas.
Vim dela a saber mais tarde. Muito mais tarde. Porém, conhecia-a quando definia ainda a construção do terceiro mastro. Terei sido o mais privilegiado? Não sei. Mas sei que o sinto, tamanho é o deste privilégio.
Com duas velas ainda, já sabia bem como navegar por estes sete mares que, no fundo, são este nosso mundo da empiria e, porque não, do transcendente. Quase a amei desde que a vi, a esta afoita nau. Quase. O tempo fez-me esperar um pouco mais, mas proveu-me do melhor dos presentes: não só então eu a amava como ela a mim. Passei a navegar consigo, pelos seus trajectos que traçava conforme… bem, navegava, afirmei, de modo simultaneamente simples e complexo. Não mais a deixei. E vi, orgulhosa de si, a terceira vela erguer-se. Altiva, neste mundo às vezes tão medíocre.
Amanhã não sei para onde vou. Mas sei com quem vou. Afinal, qual destas premissas a mais importante?
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Eram uma e quarenta.