segunda-feira, 7 de setembro de 2009

... e quarenta e três (43)

Sou indiferente a protocolos. Evidente, há excepções. Umas toleradas, outras dignas de registo realmente manifesto. Este vive em consonância com a segunda excepção enuncida.
Do alto de um último andar observo lua quase cheia enquanto torro pulmões a fumo de cigarro. Recordo a sombra do que já fui, recordo a sombra do que já fomos. Há muito que a sombra do que já fui se esvaiu, a sombra do que nós fomos permanece autêntica expondo a premência de ser (re)colocada na moldura do real com todas as cores. Claro, são sombras distintas. A minha, remetida para um passado mais longínquo; a nossa, com história já definida e ainda aquela por definir, de um passado mais recente. A nossa continuará a coabitar, e essa sim, com e a par do quadro policromático do real vivido. Os instantâneos guardam momentos, muitas vezes escondidos de devido enquadramento. Há instântaneos, procedidos e prossecutados de tal enquadramento, menos bons e outros admiráveis porque belos. Não há, nem de uma forma nem de outra, instantâneos extirpados da realidade vivida quotidiana. Também o quotidiano, constatámos e constatemos, descobre o mau, o assim-assim, o bom. Ou o que há de.
Não obstante estar desprovido de película, de imagem, de registo sonoro ou olfactivo, este dia é um instantâneo. Instantâneo de dias passados, instantâneo que indicia dias por vir como mesmo já o de amanhã que, suponho, será destituído de registo que faça de si história única com identidade própria. Porém, atenção às falácias. Essa unicidade, essa identidade exclusiva, é apenas um engodo ou uma distorção, pois que só se garante a veracidade do momento captado e retirado do real através do continuum que são as histórias, mesmo que histórias (relativamente) pequenas como as histórias de vida. O instantâneo vem comprovar tudo o que está oculto e que já foi; indo mais além, porque não, instigando ao que está por vir.
Somos comummente atreitos a posturas esquivas ao uso de palavras particularmente às que evocam sentimentos. De raiva e angústia. Quantas vezes são recalcadas, cada vez mais pertença dos ouvidos (pretensamente) atentos de técnicos de saúde mental? De amor e afecto, com o mórbido receio de nos expormos em excesso face ao outro? Renuncio sempre que posso a esta fácil tentação, a de obstruir sons ávidos de serem ditos e escutados. Vivemos em ambiguidade. Queixamo-nos amiúde de vivermos uma sociedade hiper-individualista, contudo não queremos renunciá-la a coesão asfixiante. Dois abismos sem que saibamos em concreto (nem em abstracto) onde o ponto de equilíbrio. Prefiro arriscar na minha aposta, que não sei bem onde cabe no seio destes dois opostos, e acreditar que o jogo pode ser ganho a expensas de avanços e retrocessos. Se quero ser sombra, mais ainda se veicula o meu querer no sentido da textura, da cor, dos sentidos todos sem excepção que quebrada embarace a norma.
Hoje é o nosso dia. Correcto. Como o de ontem foi. Não menos correcto. Como o de amanhã irá ser. Quem o contradirá? Hoje felizes. Ontem mais e também menos. Amanhã igualmente. A felicidade só é um percurso viável conhecido o seu antónimo, a infelicidade. O único absoluto que temos provém da religião. Não é comum a todos, e nos seus seguidores distinguindo-se ainda na forma e na filosofia das especificidades das crenças religiosas. Quanto a mim, o absoluto, esse absoluto, é inacessível ao espírito (compreensão) humano. Agnóstico, tanto quanto dizem. Não pretendo rotular. Todavia, perco-me. Retomemos a primeira frase do parágrafo. E assim, posto isto, posso assegurar-te dos meus sentimentos, já que deles estou assegurado faz muito. Os próximos dias poderão coibir-se de trazer novo instantâneo. Mas lá estarão, impedindo que o estaticismo de uma ocorrência eclipse o dia-a-dia. Não há buracos negros que subtraiam todo um vivido remanescendo tão somente sobras em armação postas. Não obstante, o que neste instantâneo comunico não deixa de ser verdade, uma verdade integrada no panorama global.
Para ti. Por nós. Que fique o quadro. Que prossigamos.

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"A essência do erotismo, mesmo no seu sentido específico, é esclarecida pela existência de sentimentos que têm o nome de amor, sem que isso se deva ao acaso de um mal-entendido ou de um uso abusivo, e estendendo-se a inúmeros domínios situados para além de toda a sexualidade."

'Fragmento Sobre o Amor e Outros Textos', Georg Simmel

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