quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Divagando...

Gosto pouco de balanços, aliás nutro mesmo pouca simpatia pelos mesmos; só em circunstâncias excepcionais – abro aqui excepção a uma não excepção…

O ano de 2006… Olhando para Janeiro compreendo que desde logo se apresentou prometedor. Não em todos os aspectos, aliás nalguns ficou bem aquém, ainda que no essencial tenha cumprido e mais que cumprido. Se Janeiro ficou pautado por algumas desilusões como por momentos vincadamente desagradáveis, por outro foi gerando o que em Fevereiro se formataria, logo breve, em vínculo. Iniciou-se, o ano, numa tez acinzentada mas assente em esperanças de aurora radiosa; de tal maneira se cumpriu, ainda que para tal alguns troços do percurso hajam sido percorridos na sinuosidade de piso que escorrega por debaixo dos pés que outra coisa não querem que assento firme.
O segundo trimestre manteve-se percorrido com alguns desencontros, mas depressa encontrou recta sem geada possibilitando a aderência ao essencial. Já o terceiro cristalizou esse essencial, contudo augurando uma perda que seria significativa e que, por fim, se consumou no derradeiro período de três meses; mas igualmente o essencial… igualmente o essencial, que é o que mais importa.
Voltei a encontrar-me com o Algarve, visto por outros olhos que antes cansados dele o reencontraram brilhante. Trouxe-me ao conhecimento a ilha da Madeira, e na ilha da Madeira o (re)conhecimento de certezas que se fermentavam. Trouxe-me aos sentidos a metrópole de Milão experienciada sem dar azo a tais certezas, já que essas se haviam há muito consolidadas no implícito do quotidiano vivido.
A academia reentra nos projectos de vida e decorre mais esplendorosa que nunca, encontrando e encontrado por fim um dos dois curricula de maior interesse pessoal que vinha, demasiado plácido, perseguindo. Por aqui desabrocha de novo a ilusão em detrimento da desilusão.
Constitui-se ainda a Trajectos, que certamente despontará florida em 2007 se bem que já de alicerces indubitavelmente enraizados. Há ‘sociedades’, que pela sua formatação, roçam a perfeição de um futuro que, dia-a-dia, se constrói.

Foi decerto um ano de emoções e ilusões, capacitando com o concreto algumas das direcções do porvir. Ao pragmatismo céptico substitui-se-lhe a emoção-razão pragmática, bem mais leve, livre e gratificante que o seu antecessor excessivamente ‘frio’. Óbvio, soçobra-se nalgumas frentes sendo que porém se conquista noutras. E não sendo quantitativamente mensuráveis, são-no qualitativamente. E a aferição, sem necessidade de esmiuçar, veste o manto da convicta convicção do ganho obtido. Até o Natal, esse monstro papão desprovido de sentido desde os tempos mais tardios da infância, reganha não só signicante como significado; e terminou por se dobrar à vontade de quem quer. E, quase pelo Natal, não só a Trajectos como a perspectiva da permanência activa em Lisboa; por ora, convenha-se… – escuso-me a falar (de)mais do porvir.

Se 2006 tem sido essencialmente um ano de construção firme, 2007 descobre o rosto com a afirmação estável do acontecido; o melhor do acontecível… Resta aguardar serenamente que pontas ainda soltas se arrematem. E o sonho vive-se. Em conluio com Sol e Lua, géneros opostos que se atraem e complementam na unicidade de trejeitos cósmicos. O sonho vive-se, de olhos bem abertos, desmontado então o véu que cortinava uma visão turva daquilo que tradicionalmente denominamos realidade.

"Oiço todos os dias,
De manhãzinha,
Um bonito poema
Cantado por um melro
Madrugador.
Um poema de amor
Singelo e desprendido,
Que me deixa no ouvido
Envergonhado
A lição virginal
Do natural,
Que é sempre o mesmo, e sempre variado
"

'Lição', Miguel Torga

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Passo a Passo

Um gato na Marinha. Um sociólogo na terra do vidro, por excelência a é. Realidades que se julgavam intangíveis ou mesmo jamais imaginadas assumem os contornos do concreto. As cidades possibilitam-nos esta mobilidade; mobilidade de estar, de pensar, de agir. E eu encontro-me de novo entrosado com elas, com as cidades, em estreita comunhão e dependência. Lisboa é a maior, ainda que não em todas as acepções, e em Lisboa ainda a FCSH. Não serei um pária urbano, se bem que consentidamente me vá perdendo (encontrando?) num rol delas. No meu sangue corre já o betuminoso, o cimento, a armação em ferro, o suor do quotidiano vivido no presente, passado e futuro. Sina ou fado previamente determinados, dir-se-ia; à asserção oponho-me com a opção da escolha, de um percurso traçado com escolhas à direita e à esquerda e para além da direita e da esquerda. Ao destino, sobreponho o conceito de construído. Porque creio que nada se mantém desembaraçado da inelutável, interminável, contínua jornada da construção social da realidade e da construção da realidade social; seja na esfera pública como na privada. O investimento incontornavelmente exigido; e o curso mantém-se. Trajectos…


(capa à 6.ª ed., Italo Calvino, 'As Cidades Invisíveis')


Prologue – Un vieux problème dans un monde nouveau

in Loïc Wacquant, ‘Parias Urbains

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Dois Dígitos

Começa pelo dez. Depois não termina, segue estrada fora; um dígito a par do outro, numa lógica holística. Então o todo passa a ser irredutível às partes; doutra forma seria apenas soma dum dígito com mais um dígito.



"Enfim, é um laço forte o amor consolidado de uma vida vivida em comum, em que cada um se tornou indispensável para o outro […]"

Sexo e Amor’, Francesco Alberoni