Esteve de partida, dizem. Está ausente ainda, confirmam esses que dizem. No rastreio, desmonto-lhes a cilada de linguagem, armadilhada só porque sim. Não está de partida e menos ainda ausente. Está. Está porque ancorada ao que fica, vincadamente incutida, marca indelével de não menos indelével doçura. Alheada apenas a figura física, o retrato imediatístico. O imediato não ultrapassa o engodo de um presente volátil que aguarda porto onde lançar âncora. Alheado, assim, tão somente o superficial, superficial que só por poucas vezes permite, e translucidamente, observar o cerne, ie, o substracto, a substância.
Mesmo agora estou contigo, porto tu que me és. Lanço ao mar as palavras desmontadas de quem a bonito se limita a conversa fácil. E o mar, ser indízivel e jamais enganável por jargões humanos, leva-as numa onda de retoma remetendo-as para marés perdidas. Sorrio. Estás como estiveste. Desde que te tenho que não mais deixaste de estar. Que diriam neste instante os que de arrogada sapiência, desmoronada à mais suave aragem do meu profundo pensamento, te viam longinquamente apartada? Tolos.
Hoje ficaste mais uma vez. Tal o foi todos os dias. Sistematizo a tua imagem numa heurística que o quotidiano oferece. Estamos. O teu sono – sonhos, crenças, valores, idiossincrasias, vontades – continua a ser o meu. E o sono mais não é que uma página de despertares, não melhores nem inferiores, mas cumulativamente complementares. Acordado, adormeço no teu abraço subliminar. Esfuma-se a aparência no arremate dos sentidos que, juntos, conjuram cumplicidade. De partida... Tolos.
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"Esta ordem social é susceptível de, também ela, entrar em crise, sobretudo quando a sua estabilidade se opõe às mudanças do meio ambiente, de modo que à área de acção social e à área da ordem junta-se a da crise."
'O Retorno do Actor', Alain Touraine