Será que os segundos importam?
Os minutos correm; às horas não mais se atenta às parcas badaladas que as anunciam; os dias sobrepõem-se sem demora substituindo-se pela semana, semanas e, quando retomarmos à consciência, pelos meses.
A velocidade é alucinante, se estacarmos para admirar o envolvente. Se há uns segundos vivíamos a hora zero, reabrimos os olhos com onze meses de história. Poder-se-á falar de história? Ou esta não é mais do que um mecanismo iniciado – inventado? – bem antes dos nossos egos terem verificado a sua existência num pretenso porvir para sempre? A história continua, prossegue após se terem esgotado os nossos tempos naturais. É-nos exógena e intocável, pelo que, para precaver, devamos agarrarmo-nos aos exíguos momentos que dela podemos desfrutar numa tentativa de apropriação que os torne nossos.
Um ano, coisa redundante, conta doze meses. Estaca-se a fim de observar a velocidade das existências nestes mundos que construímos tanto quanto nos constroem: se onze meses foram então supra mencionados, então também o significado e o significante que outro ano se afirma prestes a iniciar. A velocidade é de facto alucinante; mas a memória não escorre para o vazio do esquecimento, antes encaixilha a velocidade sub-cruzeiro os momentos vividos na experiência passada, que augura futuro, do quotidiano que se realiza a cada novo instante.
Se a emoção não está desprendida da razão, então a razão cristaliza per si, no âmago do ser, as emoções que se viram descobertas, realizadas, incubadas num fenómeno de continuidade cúmplice.
Afinal, sempre posso terminar a escrita asseverando, convicção das convicções, que não esqueci.
oceanie: le ciel, 1946, henri matisse
"
Sei de cor cada lugar teu
atado em mim, a cada lugar meu
tento entender o rumo que a vida nos faz tomar
tento esquecer a mágoa
guardar só o que é bom de guardarPensa em mim, protege o que eu te dou
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou
sem ter defesas que me façam falhar
nesse lugar mais dentro
onde só chega quem não tem medo de naufragar
Fica em mim que hoje o tempo dói
como se arrancassem tudo o que já foi
e até o que virá e até o que eu sonhei
diz-me que vais guardar e abraçar
tudo o que eu te dei
Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
e o mundo nos leve para longe de nós
e que um dia o tempo pareça perdido
e tudo se desfaça num gesto só
Eu vou guardar cada lugar teu
ancorado em cada lugar meu
e hoje apenas isso me faz acreditar
que eu vou chegar contigo
onde só chega quem não tem medo de naufragar"
'
Cada Lugar Teu', Mafalda Veiga