Amanhã discuto, talvez decidindo inclusivamente, uma parcela relevante da minha vida. Não que trema como varas verdes, contudo a apreensão é elevada. Só duas pessoas. Espero que uma terceira não esteja presente. Duas pessoas que de comum só um rótulo. Uma sabe muito mais do que a outra. Por experiência e por dedicação. Por deformação da própria prática profissional, por uma inteligência aguda e acutilante - enfim, o suficiente para me fazer sentir um jumento cerebral; particularmente quando ombreamos pelos trilhos do estado da arte, que é o da nossa; bastaria ter redigido arte, estado da já se torna redundante numa espiral que...
Junto à praia, é aí que a vou encontrar. Sinto, premonitoriamente, o suor a gotejar pela testa rumo ao restante rosto, encharcando-o como uma porção de terra então enlameada. Não levo discurso pré-concebido nem ideias suficientemente estruturadas. Tendo em conta perante quem, vou às escuras. Por outro lado, não consigo igualmente conceber de que forma se apresentará essa pessoa, sei apenas que muito mais à vontade.
Tudo o que consigo imaginar é uma mesa de café, não sei se antes ou depois de uma caminhada instrutiva, educativa, demonstrativa, sedutora e convidativa à análise empiraca; ou pode ser que essa pretensa caminhada nem nunca tenha lugar; fiquemos pela mesa de café sem extrapolar mais (ainda...). Contenho o nervoso miúdo para alumiar o raio do cigarro, quase que mais tenso que eu. Do outro lado não se esboçarão nuvens de fumo, uma parvoíce - isso de fumar, escuto no silêncio da minha mente ditosa e expedita em configurar cenários imaginários. O mar bem perto. Bem mais perto já esteve o Verão. Porém é ainda amena a temperatura, por vezes pregando-nos rasteiras que nos levam no engodo que nos reconduz ilusoriamente à estação veraneante. Será por aqui o trabalho a realizar, se a realizar. Sabemos bem disso, os dois. Ou pelo menos eu, aquela mente fulgurante pode ter entrevisto, não me espantaria, outros, novos cenários, para a realização do trabalho se, de facto, a realizar. Suponho que a vontade aponta para realizar, e de forma convicta exerce esse seu sentido. O fumo agora bamboleia, subindo rumo ao astro-rei, para lá do céu e da nossa pequenez. Com os pulmões carregados, hei-de tossir em queixume desse órgão auto-flagelado. A conversa, mais informal que outras em conjunto conversadas, já deverá ter tido o seu início. Assim se explica o cigarro aceso, defesa inconsciente ou do inconsciente provinda, acto que com toda a gesticulação própria a fumador permite criar manobra de diversão face ao real. Porém, decerto, pouco foi ainda dito ou, então, acabámos de penetrar assunto adentro, naquilo que de facto nos conduzira a esse peculiar encontro. Porém, tudo isto são congeminações. Congeminações não de uma mente delirante, mas de um alguém que relembra situações algo semelhantes; pelo que não faz futurologia, antecipa-o pelas suas práticas reiteradas do passado: uma mente que entrevê o futuro a expensas de uma construção da realidade.
Já me basta a ansiedade, característa dos neuróticos, causada por um breve desvelar do que irá acontecer. Não aprofundarei a conversa que ainda não teve lugar, pese embora pudesse indagar com um relativo grau de certeza sobre algumas temáticas e conceitos. De certo que nos deixaremos ir às nossas vidas com um adeus e um sorriso cordial. Se pelo menos pudesse garantir da minha parte que esse sorriso cordial expressaria sentimento verdadeiro e não hipocrisia escamoteada...
Seja lá como for que a resenha se esquisse, sairei garantidamente com mais certezas e menos dúvidas. Ainda que as dúvidas sejam promovidas pela angústia de quem não pode prosseguir... todavia, a situação inversa é igualmente provável; e mais que provável, possível. Indubitavelmente, sobreviverei. Resta saber se para contar... Resta saber se daqui sairei com um pouco menos de mim, amputado na alma, ou se ao invés terei estrutura para fazer crescer e cumular o meu próprio amor-próprio, passando a redundância. Seja como for, viverei para contar. Para contar como afinal Golias espezinhou David ou para contar como ficaram amigos e caminharam caminhos, aqui e ali, paralelos. Viverei para contar. Já chega.
"
I have a tale to tell
Sometimes it gets so hard to hide it well
I was not ready for the fall
Too blind to see the writing on the wall
Chorus:
A man can tell a thousand lies
I've learned my lesson well
Hope I live to tell
The secret I have learned, 'till then
It will burn inside of me
I know where beauty lives
I've seen it once, I know the warm she gives
The light that you could never see
It shines inside, you can't take that from me
(chorus)
2nd Chorus:
The truth is never far behind
You kept it hidden well
If I live to tell
The secret I knew then
Will I ever have the chance again
If I ran away, I'd never have the strength
To go very far
How could they hear the beating of my heart
Will it grow cold
The secret that I hide, will I grow old
How would they hear
When would they learn
How would they know
(chorus)
(2nd chorus)"
'
Live and Tell', Madonna