domingo, 27 de abril de 2014

A trejeito de desalinhos

Os dias de treta no 'escritório' não permitem sequer que os fins de semana escapulem. Vêm aparecendo como uma constante, quando o expectável seria o inverso; pelo menos de outros tempos que conheci. Presentemente questiono-me, mais amiúde do que gostaria, se eu já não sou a mesma pessoa. Bom, de facto em variadíssimos aspectos não sou - muito mudei desde que iniciei o meu projecto profissional mais audaz, já lá vão uns anitos e não tarda muito para que lhe coloque um definitivo ponto final. Interrogo desajuizadamente as minhas competências, as minhas valências, a minha utilidade no seio daquele círculo. O facto de ter regressado faz pouco de um espaço onde diversos colegas exaltaram as minhas capacidades em nada ameniza as contradições que vagueiam indisciplinadas pela mente. Sinto-me mais fraco que antes, pese embora tenha já percorrido um trajecto digno de, pelo menos, alguma consideração. Sinto-me pior, menos capaz. Guardo-o para mim, ainda que desconfie que me traia com regularidade e permita que esta minha falta de confiança perpasse para o mundo da cabeça de outras gentes - se assim o é consciente ou inconscientemente, trata-se de caminho que por ora quero evitar.

Claro que esta dinâmica não se esgota na minha pessoa. Desvairado sim, tolo de todo é que não. Também os outros, em parcimónia ou acelerados, são alvo desta coisa a que chamamos mudança e que jamais incorre em pausas para cafezinho. Ninguém lhe escapa, nem os mais taciturnos nem os mais teimosos. Ninguém, ponto. Noto consideráveis diferenças, permanecendo a falar na esfera do 'escritório', naquele que mais admiro, na pessoa que em simultâneo é minha colega e minha superior hierárquica. Aquelas que respeitam ao nosso relacionamento, do mais institucional ao menos formal, surgem esporadicamente desagradáveis num continuum acre. Desconfia de mim, coloca-me em dúvida numa permanência que quase me esgota, desencanta-se e também por isso vai, nas entrelinhas, desautorizando competências que outrora me revia. Aliados e cúmplices em múltiplas tarefas que tanta vez extrapolaram a esfera do 'escritório'. Agora, no dia de hoje, fico incrédulo ao perceber que para além das minhas dúvidas também tenho que engajar em combate com os senãos dessa criatura cuja amizade venho almejando, pensara até estar bem mais próximo de a ter. A sua serenidade costumeira extravasou para uma inquietação perene. Tornou-se quotidiano estar pronto para aparar os golpes que possam sair do seu pulso. Continuo, inelutável, a confiar nele. Porém o efeito de erosão, ainda que assaz moroso, pode vir um dia a sentir-se. Tenho comido e calado, como se diz na gíria. Desvio as estocadas que endossa ao meu ser, optando por nunca contra-atacar. Assim vai sendo, até ao dia que avidamente aguardo, aquele em que embainhará novamente o seu florete não mais o dirigindo ameaçadoramente. Isto, claro está, fruto de novos ventos de mudança. Todavia esses novos ventos não são percepcionáveis no imediato e não saberei, até que o seu ar me chegue, para que rumo apontam; poderá ser no da concretizável ilusão amena que prefiro edificar mentalmente como poderá soprar a favor da desilusão e da então assim inevitável quebra do vínculo: não o poderei respeitar se também ele não se respeitar e se me atirar com desdém aos lobos dos quais me tem quase que paternalmente mantido a salvo - enfim, não posso respeitar, com a devida profundidade, quem não me respeita.

Venham, venham mais uma vez, ventos de mudança. A estagnação não presta. E como está não se pode ficar, imbuídos em atmosfera fétida e insustentável. Espero voltar a ver os seus olhos a transbordar de orgulho pelo seu pupilo, como já observei. Guardo particular memória de uma circunstância em que um colega seu, embora não meu superior hierárquico, o encantou por o seu pupilo o ter encantado. Espero. Mesmo que tenha que ser pelo dia em que parta sem adeus e que a essa casa não a torne a chamar 'minha casa'. Na esfera do 'escritório', óbvio; e noutras, que de tão apetecidas tardam como uma eternidade.

Escrevi um dia que por vezes mudamos sem nada mudar, permanecendo os mesmos. Tem o seu quê de verdade. De ousadia. Até de profecia. Porém, nunca olvidando que nos tornamos o que nos fazemos. Quanto a mim e ti, pá, e agora? A ver vamos... Não é demais recordar que ao ninho, que é a casa dos afectos que os seres-humanos sabem - ou deviam saber - construir, a 'casa' do métier é complemento sine qua non - e outra que limítrofe: a da amizade cuja pedra basilar é o mútuo respeito.

Talvez daqui a umas semanas redija qualquer coisa de mais simpática e de mais sinfónica ao ouvido. Por ora, das três 'casas' que mencionei... adiante-se tão-somente que todas elas carecem de obras - umas mais que as outras, pois é evidente. Pelo menos para mim, já que as palavras aqui apensas gotejam dos meus pulsos que vão mantendo uma firmeza que anos atrás desconhecia e julgava inatingível. Até breve.



Sem comentários:

Enviar um comentário